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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

W. J. Solha: Todas as artes a Arte


(Conversa de Nilto Maciel com W. J. Solha: romancista, contista, poeta, dramaturgo, libretista, pintor, roteirista, cineasta, ator, compositor, produtor de teatro e cinema. Só não é tenor e bailarino por falta de boa voz e não saber dançar.)


(W. J. Solha)

Conheço W. J. Solha há alguns anos. Não pessoalmente. Primeiro li o livro dele A Canga. Se não me engano, em 1978. Ou terá sido Israel Rêmora? Ele também me leu. E, assim, nos fizemos amigos. Ele na Paraíba (mas é paulista de nascimento), eu no Ceará e depois em Brasília. Trocamos muitas cartas. Lamentações por não termos editor, pela falta de leitor, por isto, por aquilo. Apesar disso, nunca deixamos de ler e escrever. Persistimos como escritores. Passados 40 anos, decidimos manter uma conversa séria, severa, para que outros o conheçam. Porém, ainda por correspondência. Se nos veremos um dia, quem há de saber? Enquanto isto, leiamos o que Solha tem a dizer. “Nasci em Sorocaba, SP, 1941. Radiquei-me na Paraíba a partir de 62, quando tomei posse no BB de Pombal, PB. Foi aí que, por influência do meio e de um colega do banco, em especial – José Bezerra Filho – envolvi-me com teatro, literatura e cinema. Já colaborei muito com a imprensa de João Pessoa, atualmente mando toda semana duas matérias para o blog www.eltheatro.com, de Elpídio Navarro, geralmente um artigo e um "ensaio ilustrado".

Ao final desta conversa há um currículo de Waldemar Solha. Agora é a vez das perguntas e respostas.

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Entrevista

Nilto – Você contava apenas 21 anos de idade, quando se mudou para o interior do Nordeste. Sem querer um relato de sua infância, fale dessa mudança. O que levou na bagagem? Como se deu em você a passagem para o sertão? Que tipo de impacto sofreu?

Solha – Foi um dos momentos mais importantes de minha vida, Nilto. Eu vinha de uma família pobre – meu pai era carpinteiro da Estrada de Ferro Sorocabana – para uma agência do Banco do Brasil. O salto pra classe média foi significativo. Livrava-me, ao mesmo tempo, de todo o constrangimento que sofre um jovem na casa dos pais. O mais importante, no entanto, foi que saí de um meio culturalmente frio, para outro bastante aquecido, o que foi surpreendente, pois vinha de Sorocaba, SP, e estava tomando posse em Pombal, no alto sertão da Paraíba, 1962. Como exponho no romance Relato de Prócula, ali encontrei não apenas colegas envolvidos com teatro e literatura, como grandes amizades locais que me assombraram por uma imensa cultura. O Dr. Atêncio Wanderley, personagem desse meu livro, é real. Médico, tio de minha mulher, ele ouvia noticiários da BBC em inglês, gostava imensamente do latim de César no De Bello Gallico, de ler os grandes economistas e filósofos, adorava literatura de cordel. As conversas em rodas de calçada, com médico, padre, professor e juiz, em Pombal, mostraram-me um mundo de que sequer desconfiava. Um dia tive um sonho que me impressionou muito, botei-o por escrito, e um colega – o hoje escritor José Bezerra Filho – mandou-o para um professor da UFPB em João Pessoa, que o publicou numa antologia à base de mimeógrafo... e foi assim que produzi meu primeiro conto. Logo depois, um colega novo, ao tomar posse do banco depois de nós, pediu-me para escrever uma peça sobre a morte do estudante Edson Luiz, no restaurante do Calabouço, Rio, e tivemos nossa estreia três meses depois do fato acontecido. Tornei-me, assim, dramaturgo e ator. No ano seguinte, o mesmo Bezerra decidiu fundar uma empresa cinematográfica lá mesmo, em Pombal, e rodamos o primeiro longa-metragem de ficção, da Paraíba, em 35 mm. E me vi, de repente, como produtor e ator de cinema. Quando saí de Pombal, era outro.


(Cidade de Pombal, Paraíba)

NM – Menino e adolescente pobre, que livros você lia? Quem os fornecia ou indicava? Ou você saía fuçando bibliotecas, sebos, livrarias, como eu fiz, lendo o que lhe chegasse às mãos? Lendo tudo, desde livros didáticos, jornais e revistas, até pedaços deles, jogados ao lixo?

WJS – Minha mãe, apesar dos quatro filhos, nenhuma empregada, costurando para fora com sua velha máquina Singer, era uma leitora de romances típica daquela época (anos quarenta, cinquenta, sessenta): parecia não ver nenhuma diferença entre um Machado de Assis da maturidade ou Tolstói e autores de livros chamados "flor de laranja", tipo M. Delly, ou – mesmo – o Machado da primeira fase. Como ela tirava frequentemente essas edições da biblioteca da Estrada de Ferro Sorocabana, acabei lendo alguma coisa do gênero, na adolescência. Lembro-me de que o primeiro romance que li foi John, o Chauffeur Russo, de Max du Veuzit. O primeiro, brasileiro, Coração de Onça, de Ofélia & Narbal Fontes. Mas isso foi muito epidérmico. Como lia muito gibi desde muito pequeno, o que me influenciou muito, nesses primeiros tempos, foi uma revista nobre de Histórias em Quadrinhos chamada Epopéia. Nela, embarquei em épicos com títulos como Miguel Strogoff, Tourada Trágica, A Esfinge Negra, Parsival, Aquila Maris, Kim, e Kumiak o Esquimó. Nas quartas capas havia sempre a reprodução de uma pintura clássica – Mona Lisa, A Batalha do Avaí, Napoleão nos Alpes – e nas terceiras, o resumo de uma grande ópera de Verdi, Wagner, Donizetti, Puccini ou Carlos Gomes. Passei a ouvir todos os programas de rádio com música clássica, passei a estudar pintura, primeiro com um alemão – Ludoviko Prohaska –, depois um italiano – Flávio Gagliardi. Devorei todo o Tesouro da Juventude e, uma vez por mês, ia a São Paulo, assistir aos Concertos Matinais Mercedes-Benz, no Teatro Municipal. Como vi que não levava jeito pra nada, larguei tudo e fui estudar contabilidade... que me levou ao Banco do Brasil.

NM – Então, em Pombal, com emprego certo e bom, você pôde se dedicar a escrever. Como nasceu A Canga, peça teatral e depois romance? Isto se deu logo após a sua chegada ao sertão? Foi seu primeiro livro escrito ou houve outras tentativas?

WJS – A Canga surgiu de uma espécie de novela que fiz, hoje perdida, composta de uma série de contos, cada um se passando numa época. Depois de uma cena em plena Pré-História, saltava-se para o sertão nordestino (A Canga), daí para o faroeste americano, para a segunda guerra mundial, etc. A primeira imagem a me vir na cabeça, ao criar essa estória, foi a de um pai, desprovido de bois para arar, pondo os filhos no lugar deles, na canga. Eu era o chefe da carteira agrícola da agência do BB em Pombal, na época, conhecia aquela gente toda na intimidade. Com a ideia, acabei, sem querer, criando uma imagem emblemática do despotismo. Mas o conto daria em nada se não me surgisse o convite de montar uma peça curta a ser exibida numa festa (dentro da campanha para a escolha da Miss Paraíba 1968) em que – além da beleza das meninas locais – Pombal pretendia mostrar alguma coisa da cultura local, Aleluia! Montei o espetáculo e fiz o mesmo papel – aos 29 anos – que faria no hoje famoso curta do Marcus Vilar – aos 60 (em 2001): o do pai que, de chicote em punho, põe os filhos sob o mesmo jugo que impunha aos bois, impelido pela necessidade de plantar. Aí ressurgiu na Paraíba um de seus grandes filhos, há muito no sudeste: o irmão de Chacrinha, Jarbas Barbosa, um dos grandes produtores do cinema brasileiro, inclusive do Deus e Diabo na Terra do Sol. Ele vinha atrás de montar um polo cinematográfico em João Pessoa, e precisava de grandes roteiros. Foi quando fiz A Canga para ele. Mas todo o projeto deu em nada, por que Jarbas faliu, e, sem nada nas mãos, exatamente como começara, resolvi transformar o script em romance, donde saiu A Canga, 2º. Prêmio Caixa Econômica de Goiás, que mereceu ao ser publicado pela editora Moderna de São Paulo – única e exclusivamente – um comentário seu, Nilto, pelo que, mais uma vez, lhe agradeço. Mas esse não foi meu primeiro livro. Em 1974 concorrera ao Prêmio Fernando Chinaglia de Literatura com A Canga e... Israel Rêmora. Como a censura, na época, era terrível, A Canga, que deveria ganhar o certame, ficou com uma menção especial... e Israel Rêmora ganhara a parada, sendo editado, em 75, pela Record.


(Praia de Tambaú, João Pessoa)

NM – Você tem se dedicado à literatura, mas também ao teatro, ao cinema, à música. Você sente necessidade disso, de ser múltiplo, de abarcar diversas modalidades da Arte? A literatura não o satisfaz? Você se explica ou se aceita complexo?

WJS – Vou produzindo, sempre, o que o momento me pede, Nilto... e nunca me arrependi por isso. De repente me chega Rinaldo de Fernandes pedindo-me um conto a partir do Dom Casmurro, para sua coletânea Capitu Mandou Flores e vislumbro a delícia de uma reconstituição histórica e de botar, de uma vez, a malandra pra transar com Escobar. Ou então me pede algo em cima do conto "Sarapalha", do Guimarães Rosa, para outra organização sua que veio a ser Quartas Histórias, lembro-me de que Guimarães considerava esse o pior de seus trabalhos e associo tudo ao conto de Cortázar em que um grupo de cinéfilos, apaixonados pelo trabalho da atriz Glenda Jackson, resolve tirar os defeitos de filmes em que ela teria trabalhado. Aí me chega o maestro Eli-Eri Moura e me convida pra fazer o libreto da primeira ópera armorial, já com estreia marcada no festival Virtuosi, no Teatro de Santa Isabel, no Recife, e vejo imediatamente um dueto de Ariano Suassuna com seu ídolo, Cervantes, os dois cantando um martelo agalopado em português e castelhano. Na estreia dessa Dulcineia e Trancoso, Daniel Aragão me vê subindo ao palco e resolve: "É o seu Francisco!", referindo-se ao personagem do longa O Som ao Redor, do Kléber Mendonça Filho, papel que acabei fazendo. Na última semana desse filme, Marcelo Gomes me chama para um teste para seu terceiro longa – Era uma vez Verônica – e na última semana desse filme fui convidado para um curta no sertão, o Antoninha, do Laércio Ferreira. Essa série de trabalhos (em que se incluiu um episódio-piloto de Carlos Dowling para TV) custou-me uma ausência de quatro meses no poema longo em que trabalhava e trabalho desde que terminei o romance Relato de Prócula, há cerca de dois anos. E por que o poema longo? Porque, apesar da bolsa da Funarte que ganhei com esse romance, fato que me ajudou a publicá-lo pela A Girafa, encontrei dificuldade para lançar o romance anterior – Dricas (que permanece inédito), sentindo-me o mesmo desconhecido de sempre, em que umas editoras veem um mau negócio. Como o poema longo anterior – "Trigal com Corvos" – me consumiu catorze anos, decidi partir para trabalho na mesma linha, avaliando que, nos 70 anos que faço em 2011, dificilmente terei como me preocupar com um livro posterior. Por outro lado, deixei a pintura em 2004, depois de uma grande exposição que fiz em João Pessoa. E o teatro em 1990, pelo mesmo motivo: a conclusão de que, nessas áreas, eu não tinha mais o que dar.

O que me move, então, são as encomendas? Como se vê, nem sempre. Ninguém me encomendou um poema longo e estou cavalgando nesse enorme dragão pela segunda vez. O problema é que todas as artes me encantam. Pena que não tenho boa voz e não danço, ou seria tenor e bailarino, também. Você não imagina o que é contracenar com a grande atriz Hermila Guedes (de O Céu de Suely), dirigido por um Marcelo Gomes: é o mesmo que trabalhar com Sophia Loren num filme maravilhoso como o Um dia muito especial, dirigido pelo Ettore Scolla. A realização de um romance é um quebra-cabeças estupendo, e trabalhar com as palavras, sem a dependência de uma narrativa, torna a poesia insuperável. Fazer uma parceria com uma Ilza Nogueira, um maestro José Alberto Kaplan, um maestro Eli-Eri Moura é outra experiência única. Não há como descrever o espetáculo de grandes solistas, coro, orquestra e um grupo de dança botando no palco o que você escreveu. Por outro lado, como as palavras sempre me conduzem a uma angústia frequentemente insuportável, imagine o que foi, para mim, passar nove meses sem me servir de nenhuma delas, pintando as 36 telas que compõem o retângulo de 7,20m de largura – "Homenagem a Shakespeare", que está lá no auditório da reitoria da UFPB. E tudo isso me dá subsídios para escrever. No Relato de Prócula transferi a emoção que tive ao fazer Pilatos durante três anos, num grande espetáculo ao ar livre, ao meu personagem principal. A namorada dele escreveu muitos de meus versos. A outra, faz fotomanipulações que na verdade são muitos de meus quadros. O narrador... produz o primeiro longa-metragem paraibano de ficção em 35 mm, presepada que também vivi com o colega do BB e escritor José Bezerra. E assim vai...




NM – Não precisamos nos lamentar como escritores (ou artistas), porque a lamentação já é uma obra de arte. Entretanto, não temos leitores, os jovens não sabem ler, não há bibliotecas, os livros são caríssimos, não há divulgação de literatura na grande mídia, etc. Como você (frágil criatura que se arde em arte) enfrenta essa realidade (dragão a soltar labaredas na direção de frágeis criaturas que criam dragões e outros seres)? Sonhando mais ou criando para matar monstros?

WJS – Nilto, eu simplesmente faço porque não posso parar. Quanto ao mercado, lembro-me de que todos nós, na Paraíba, reclamávamos do apoio nenhum que tínhamos no teatro – do Poder e do Público – restando-nos, apenas, o irrestrito (nunca pude reclamar disso) da Mídia, aí chega o Luiz Carlos de Vasconcelos e monta o Vau da Sarapalha, com o grupo Piollim, de João Pessoa. Caramba. Quando fui ver a peça, estávamos, na plateia, eu, minha mulher, o Buda Lira (irmão de dois dos integrantes do elenco) e mais duas pessoas. Perguntei ao Luiz Carlos; "Vai dar o espetáculo só pra gente?" E ele: "Vai valer como ensaio". Resultado: vi o espetáculo, deslumbrei-me, cheguei em casa e fiz um artigo profetizando que o grupo iria fazer sucesso "até nas estranjas", e foi dito e feito. O público danou-se a crescer e vimos que o povo apenas vai ver aquilo que quer ver, condicionado a isso ou não. Digo-lhe sinceramente: toda semana publico um artigo e um "ensaio ilustrado" no blog eltheatro, de Elpídio Navarro. Jamais recebi, dos leitores, uma palavra sequer de aplauso ou crítica. Nada. Porra nenhuma. Acostumei-me. É como atirar uma pedra num poço e não ouvi o baque dela n’água.Van Eyck sempre assinava seus quadros e escrevia embaixo: "Faço o que posso". E é isso: Faço o que posso. Não gostam? Um e outro gosta. Mas frequentemente a coisa vai às raias do martírio. Passei os últimos dez anos do Banco do Brasil sem almoçar, pra poder escrever. Eu precisava criar! Quando trabalhei, no último quadrimestre, nos filmes de Kléber Mendonça, Marcelo Gomes, Carlos Dowling e Laércio Ferreira, passava as noites em claro, fumando e tomando cerveja (duas coisas que raramente faço) ensaiando sem parar. "Vou pagar caro por isso", eu me dizia. Mas que fazer? Quando terminei o périplo, no dia 23 de dezembro, às vésperas do Natal, estava "morto". Tive que ir a um cardiologista, passei a tomar três comprimidos por dia, pra me reaprumar, o que ainda não aconteceu, e você acha que vou ganhar prêmio de melhor ator em Cannes, Brasília, Gramado, São Paulo? Claro que não: há centenas de pessoas vivendo o mesmo calvário. Formamos um caldo de cultura de que um e outro dará resultado, e – pelos meus 70 anos – jamais eu. Que é que posso fazer? Reclamar do povo, do governo, de Deus? Não faz meu gênero. Vou continuar trabalhando, curtindo esse amor – eterno enquanto dura – às Artes. Todas elas.

NM – Há novidades boas na literatura publicada na Paraíba, nos outros Estados do Nordeste e no Brasil? Muitos têm acreditado no espaço da Internet como tábua de salvação e aparecem em blogues e revistas eletrônicas. Você está neste meio? Lê essas obras?

WJS – Ainda na manhã de hoje terminei de ler os originais do primeiro romance de Marília Arnaud, daqui de João Pessoa, já conhecida como grande contista. Esse novo livro dela – cujo título não estou autorizado a divulgar (talvez ela queira participar de algum concurso) é ótimo. Texto primoroso, andamento narrativo seguríssimo, enorme sensibilidade. O Brasil vai gostar. Li, também, os originais do romance O Autor da Novela, do Tarcísio Pereira – que ganhou a bolsa Funarte de incentivo à literatura no ano passado. É, também, muuuito bom. Mas na verdade não tenho tempo pra acompanhar tudo que se faz por aqui, pelo Nordeste, pelo país, muito menos pelo mundo, tão centrado vivo nas minhas próprias coisas.

Quanto a publicar pela Internet, não acho que isso deva ser encarado como alternativa. "Você não consegue editora, põe na web". Parece aquela coisa de acabar com os predadores e ver os alces perdendo as melhores qualidades da espécie. Vejo a Internet como mais uma opção. Meus "ensaios ilustrados", por exemplo, não seriam, jamais, veiculados em jornais ou revistas, pela extensão – vinte a trinta páginas cada um. Mando-os, por isso, semanalmente, a meus amigos Elpídio Navarro – daqui – e Hugo Caldas – do Recife, que os publicam mui caprichosamente em seus blogs eltheatro e Unlimited. E se mal tenho como me manter mais ou menos atualizado com respeito a livros impressos, imagine com os eletrônicos. Sinto até um certo sufoco físico ao entrar numa grande livraria, como a Cultura, do Recife, que frequentei muito quando fazia laboratório – no Paço Alfândega, que fica ao lado dela – para o filme do Marcelo Gomes. Senti sufoco igual quando cheguei a Pombal, nos anos 60, e dei com tantos livros nas casas dos amigos, felizmente quase sempre clássicos. Devorei Gogol, Turguenief, Dostoiévsky, Tólstoi, Tchékov, Puchkin, depois Soljenitsen, Pasternak, mais um e outro e me senti quites com a literatura russa. Li Homero, os filósofos gregos, mais Ésquilo, Eurípedes e Sófocles e – bem, "botei os melhores helênicos no bolso". E assim tirei meu atraso com franceses, ingleses, americanos, italianos – A Divina Comédia! –, alemães – Que sacrifício engolir Fausto! – portugueses – devorar os Lusíadas! –, espanhóis, os hispanoamericanos e... fiquei em relativa paz. Mas como selecionar tudo aquilo em torno de que ainda não assentou a poeira?

Por outro lado, sinto-me mal dizendo isso, pois estou no meio da cambulhada: o Éric Obsbawn, em A Era dos Extremos, num balanço do que foi a arte no século XX, pergunta: que outro nome surgiu nas artes plásticas, para ombrear com o de Picasso? Que outro livro teve consenso universal, depois de Cem Anos de Solidão, de 67?

NM – Tenho muito a perguntar, você tem muito a dizer. Porém, precisamos dizer “até logo”, porque o rio é caudaloso, há peixes de todos os tamanhos e espécies, as águas ora são turvas, ora límpidas, e navegar é preciso. Encerre esta conversa, por favor.

WWJS – Eu é que lhe agradeço, Nilto. Muitíssimo.

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CURRÍCULO DE WALDEMAR JOSÉ SOLHA (W. J. Solha)

Peças teatrais escritas e montadas por ele:
– A Canga – 1968, em Pombal, PB
– A Batalha de OL contra o Gigante FERR – 1986, com o Grupo Bigorna, em João Pessoa
– A Verdadeira Estória de Jesus – 1988, idem, idem

Peças teatrais escritas por ele e montadas por outros:
– Burgueses ou Meliantes? – dirigida por Ubiratam de Assis, Grupo Bigorna, 1982
– Papa-Rabo – dirigida por Fernando Teixeira, idem, 1982
– A Batalha de Oliveiros contra o Gigante Ferrabrás, dirigida por Ricardo Torres, em Brasília, 1991
– A Bagaceira – dirigida por Fernando Teixeira

Roteiro para balé:
– Caldo da Cana – música do maestro Carlos Anísio, coreografia de Rosa Ângela Cagliani

Romances publicados:
– Israel Rêmora – Prêmio Fernando Chinaglia 1974, publicado pela Record em 75
– A Canga – editado pela Moderna em 1978, reeditado pela Mercado Aberto em 84. Menção especial Prêmio Fernando Chinaglia 74, 2º. Lugar Prêmio Caixa Econômica de Goiás 75, menção honrosa Prêmio Remington de Literatura 1977
– A Verdadeira Estória de Jesus – Ática, 1979
– Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia – Codecri 1984
– A Batalha de Oliveiros – Prêmio INL 1988, ed. Itatiaia 1989
– Shake-up – Ed. UFPB 1997
– Relato de Prócula – A Girafa, 2009, Bolsa de Incentivo à Criação Literária da FUNARTE 2007. Prêmio UBE, Rio, 2010

Coletânea de contos, roteiro cinematográfico e dois romances:
– História Universal da Angústia – Ed. Bertrand Brasil, 2005, Finalista do Jabuti em 2006, Prêmio Graciliano Ramos, da UBE, Rio, 2006

Poesia:
– Trigal com Corvos – Ed. Palimage, de Portugal, 2004, Prêmio João Cabral de Melo Neto, da UBE, Rio, 2005

Parceria com compositores:
– Via-Sacra, Oratório de Semana Santa, com música de Ilza Nogueira, apresentada na Igreja de São Francisco, na semana santa de 2005, sinfônica regida pelo maestro Carlos Anísio, balé com coreografia de Rosa Cagliani, Coral Villa-Lobos
– Cantata pra Alagamar, com o maestro José Alberto Kaplan, 1979. Gravada pela Marcus Pereira, SP
– Réquiem Contestado – para o maestro Eli-Eri Moura, gravado pela UFPB em 1998
– A Ópera Dulcineia e Trancoso – para o maestro Eli-Eri, estreia em 2009, no Teatro de Santa Isabel, no Recife

Pintura:
– Tem um painel – Homenagem a Shakespeare – no auditório da reitoria da UFPB, composto de 36 telas (uma para cada peça do Bardo), formando um retângulo de dois metros por 7,40, além de um quadro de 1,60 por 3,60 – A Ceia – no Sindicato dos Bancários da Paraíba

Cinema:
– Produção – com José Bezerra Filho – do primeiro longa-metragem de ficção em 35 mm da Paraíba, O Salário da Morte, dirigido por Linduarte Noronha
– Roteiro de A Canga – curta-metragem de Marcus Vilar com 23 prêmios nacionais e internacionais
Como ator, participação nos curtas A Canga e A Casa Tomada, bem como nos longas O Salário da Morte, Fogo Morto (Marcus Farias), Soledade (Paulo Thiago), Lua Cambará (Rosemberg Cariry) e Bezerra de Menezes (de Glauber Filho, Joe Pimentel)
– No último quadrimestre de 2010 trabalhou como ator nos longas O Som ao Redor e Era Uma Vez Verônica, de Kleber Mendonça Filho e Marcelo Gomes, ambos no Recife. De volta à Paraíba, trabalhou no episódio-piloto para TV A Arte e A Maneira de Abordar seu Chefe para conseguir Aumento, de Carlos Dowling, em João Pessoa, e no curta Antoninha, de Laércio Ferreira, no alto sertão da Paraíba

Romance inédito:
– Dricas – que talvez saia neste ano pela Escrituras, SP

Em andamento:
– Marco do mundo – poema longo
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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O fantasma do Urso (Ronaldo Monte)





Crematório de Vila Alpina, São Paulo. Um homem pede informações detalhadas sobre os serviços e os custos. Tira o talão de cheques do bolso e paga à vista. Quando a atendente pergunta onde está o cadáver, o homem responde: “O cadáver sou eu.”

Alguns meses depois, no dia 19 de dezembro de 1990, com 77 anos, morre Rubem Braga, o Urso, dono de sua morte, assim como foi dono de sua vida.

Hoje, vinte anos depois, o fantasma do Urso vem se instalar às minhas costas e quase não consigo dar cabo desta crônica. Cada palavra, cada frase é imediatamente comparada ao estilo do mestre, denunciando minha fragilidade de cronista. E sinto que o Urso me desdenha por chamá-lo de mestre. Mas é bom que me desgoste e tire os olhos do meu texto. Só assim consigo escrever sem o peso do seu fantasma, sem ter que adivinhar seu focinho de leão marinho se contorcendo a cada frase mal escrita.

Agora, livre do fantasma, posso falar sem preocupação do encantamento que tive e tenho ao ler as crônicas do velho Braga. Posso chamá-lo assim, pois sou seu íntimo. Pelo menos ele é íntimo de mim. Pois nada do que li dele me foi estranho. Ele sabia falar de mim de uma forma tão simples, tão humana, revelando minhas grandes fraquezas e pequenas virtudes como se eu as tivesse vendo pela primeira vez.

Nos meus momentos de solidão e sofrimento, não é aos grandes poetas e filósofos a quem recorro. São os livros do Rubem que folheio, na busca de uma tirada irônica ou mal humorada sobre as chateações naturais da vida. E nos bons momentos de minha vida, é ainda ao Braga que recorro, para que ele me mostre o quanto tudo é transitório, efêmero. E foi desta transitoriedade e desse efêmero que Rubem Braga fez a sua obra.

Quando leio um texto de Rubem Braga, tenho a certeza de que foi um homem que o escreveu. Um homem, sim. Do gênero masculino. Um homem aberto para a compreensão dos seus semelhantes e cuidadoso com as peculiaridades do feminino.

Me desculpem, mas eu tenho que terminar esta crônica. Já ouço uns passos atrás de mim e sei que o fantasma do Urso volta para bisbilhotar meu texto. Tenho que desligar rápido o computador, pois não quero sentir o seu focinho se entortar de reprovação a tanto desperdício de palavras. Nem muito menos que perceba o nó na garganta traindo o sentimento pela sua falta.

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