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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Desafiando o tempo (Tânia Du Bois)



Imagine como seria conviver com as atividades diárias, com os amigos e ainda ter tempo para se dedicar à leitura. Há quem desafie o tempo e a literatura e, além de desafiar, muitas vezes reduz, enfeita e conduz a sua utilização e a sua utilidade. Nas palavras de Jorge Tufic, “O tempo é a / corrosão / que parte do / nada e se / refaz do / nada”.

O tempo é fronteira entre o que lemos e o que ainda poderemos ler. Pergunto, quanto tempo teremos para ler tudo o que desejamos? Devemos buscar o equilíbrio ao montar a nossa agenda, pois nem sempre podemos prever o tempo necessário para as nossas leituras.

O tempo desafia e reflete a realidade: é preciso ler hoje, para melhorar amanhã. Prova disso são as inúmeras produções literárias realizadas com o intuito de desenvolver e envolver a história do tempo, de natureza filosófica, histórica, poética, científica e sociológica, onde só o amor e a cumplicidade pelas palavras podem operar.

A busca por um estilo de vida focado no tempo está no reencontro da obra com o escritor, onde o leitor já prevê a necessidade de mudar do superficial para o essencial, em uma redescoberta de prazeres.

Pedro Du Bois, em (DES)TEMPO, questiona: “Na verdade, nos preocupamos com o tempo: e o nosso tempo permanece intocado na (in)finitude do espaço, onde os escolhidos se lançam em eternidades”

Carmen Silvia Presotto, em DOBRAS DO TEMPO, desafia o tempo em lembranças: “Agitados abanos / lembram os laços da trança menina e / a expectativa da vida não preenchida. // ... Suspiro ao vento pelo primeiro dia.”

Lima Coelho, por sua vez, desafia o tempo entre o amor e lágrimas, em seu livro MARCAS DO TEMPO.

Jorge Luis Borges, em HISTÓRIAS DA ETERNIDADE, busca desafiar o tempo no sentido do rigor cronológico, “Entendi que sem tempo não há movimento (ocupação de diferentes lugares em diferentes momentos); não entendi que também não pode haver imobilidade (ocupação de um mesmo lugar em diferentes momentos)”.

Tais obras mostram a busca pelo passado, presente e futuro e, ainda, nos trazem o caminho do conhecimento de maneira simples e ao mesmo tempo profunda, pois vibrantes em uma mesma frequência.

O livro é atemporal e companheiro, pode ser interessante num determinado momento e ter outra função em outro, e ainda refletir sobre as questões do nosso tempo.

Desafiar o tempo é saber, de fato, para o que ele serve, é desejar que ele pare. Ou que ele possa andar, como em Saramago, “Não tenha pressa./ Mas não perca tempo.”; ou brincar como em Mário Quintana, “O tempo é apenas o ponto de vista do relógio.” Há o tempo do relógio, mas também seguimos o tempo que está dentro de nós, como o feito de sentimentos, que é o que verdadeiramente faz a nossa história, porque quando a imaginação trabalha, é insuperável...

O segredo de desafiar o tempo está na seriedade e eficiência da criação literária, tudo o que lemos faz parte da nossa formação, e o aproveitamento do tempo reside no encontro em que a sociedade se reconhece: equitativa, eficiente e culta; todos acreditando que a força está nos livros que desafiam o tempo.
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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Contos cearenses (Fernando Py)




O escritor cearense Nilto Maciel faz chegar a esta seção o segundo volume de seus Contos reunidos (Porto Alegre: Editora Bestiário, 2010), que compreende os textos dos livros As insolentes patas do cão (1991), Babel (1997) e Pescoço de girafa na poeira (1999). O primeiro deles reúne contos de alcance e estilo variados, destacando-se principalmente pela apresentação de tipos curiosos ou maníacos, como o professor Mendes (em ‘Teoria do amor socrático’, p. 23), o paquerador João Canoro (em ‘A voz indecorosa’, p. 32), a esposa que sonhava (em ‘Sonhos’, p. 40), e outros mais. Os contos são ora são longos e minuciosos, como ‘Ícaro’ (p. 11) ou ‘Os comensais de Afonso Baio’ (p. 53), ora, na maioria, não ultrapassam página e meia. Alguns chegam apenas a ser um simples flash e nem sempre configuram propriamente um conto, com princípio, meio e fim, mas limitam-se a mostrar uma “cena”, como, p. ex., ‘Incubação’ (p. 20). Por outro lado, essa tendência ao conto curtíssimo leva o autor a uma peça em “cenas” como em ‘Mundo livre’ (p. 68), onde as seis cenas fazem parte de uma gincana e o desfecho, menos surpreendente do que poderia parecer a princípio, já indica uma faceta bem irônica do estilo veloz e breve dos contos de Nilto Maciel. Este é um dos aspectos de seu saudável inconformismo diante do que é “bem feito” ou “bonito”, e que muito valorizam a sua prosa.

Babel se compõe de narrativas bastante curtas, às vezes apenas flashes, como vimos na coletânea anterior. São narrativas que exploram um episódio breve, tratando de aprofundá-lo ou expondo toda a sua crueza. Além disso, o autor também explora a estrutura e a linguagem que emprega, com excelentes resultados. Já Pescoço de girafa na poeira compõe-se igualmente de contos muito curtos, em que Maciel também trabalha com modelos variados de ficção, indo das fantasias oníricas ao realismo mais cru, do flash mais imediato ao enredo desenvolvido em detalhes, tudo isso num estilo seguro de quem domina às maravilhas o nosso idioma. E se muitas vezes se compraz em citações eruditas, tais citações se harmonizam de tal modo no texto que é como se tenham feito sempre parte dele. O volume mereceu o primeiro lugar, na categoria conto, da Bolsa Brasília de Produção Literária em 1998, da Fundação Cultural do Distrito Federal. Convém ler e reler os contos de Nilto Maciel.

(Tribuna de Petrópolis, 21/1/2011)
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