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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Silêncios do mundo (Alaor Barbosa*)



“Aqui o silêncio tem mil anos”, escreveu, muitos anos atrás (há mais ou menos duas gerações e meia de homens e mulheres), um poeta nascido nas extensas e planas zonas do vigoroso cerrado do Sudoeste goiano – em Jataí. Forte, tocante, humilde, eloquente verdade, mas parcial. Pois aqui o silêncio tem muito mais de mil anos. Tem a idade do mundo.

Penso que essa percepção do nosso vasto e entranhado silêncio o poeta José Godoy Garcia a teve ao considerar no dilatado território deste nosso mediterrâneo país chamado Goiás e na solidão dos seus ermos. Essas características essenciais da enorme realidade geográfica, e histórica, e social, e psicológica, e moral, deste grande país (desmembrado em dois) eu as conhecia desde que me dei por gente. Ao ler o poema, concordei no mesmo instante. Essa verdade do forte e tocante silêncio que nos circunda com frequência me revisita a memória atenta e a vigilante consciência; e me acalenta o meu amoroso espírito de homem goiano e brasileiro. Ou, simplesmente, o meu espírito de homem.

Ontem, andei me recordando com saudade e respeito desse belo verso. E pensei em parodiar o poeta para repetir aquela verdade que enunciei há pouco: “Aqui o silêncio tem a idade do mundo”. Sim: este notabilíssimo silêncio está em toda parte da nossa terra: em todas as coisas deste trecho do mundo que fica no centro do nosso país. E ele nos habita no ponto mais íntimo da nossa personalidade. Ele é bom, companheiro, solidário, sábio; e por isso nos ajuda muito a compreender o mundo, a vida, as coisas todas em cujo íntimo ele se asila e em que, onipresente, subjaz. Ele está nas verdes matas que nos rodeiam leais e fiéis. No tortuoso cerrado de árvores retorcidas. Na placidez das lagoas quase indevassadas. Na doce base dos bambuais sussurrantes cujo sussurro ele nos permite ouvir bem. Nos caminhos, estradas e trilheiros pouco ou ainda que muito palmilhados e percorridos e frequentados. Na sombra escondida das curvas dos rios com beiradas povoadas de sarãs. Na pedrinha de cascalho que dorme no fundo de um corguinho raso – ou fundo, não importa. Ele mora com simplicidade no coração repleno de afeto do homem que contempla a mulher tanto tempo esperada. Nos olhos do menino triste sentado em um banco comprido de madeira na varanda da sua casa. Na angústia do cão separado do dono. Na alma da mãe que espera o filho ausente. Na superfície da lápide do túmulo do cemitério em que se lê este começo de frase: “Aqui jaz...” No semblante saudoso do homem preso na cadeia pública sentado à janela com os pés pra fora da grade forte em frente – e a uma certa distância – da igreja matriz situada no outro lado do comprido largo.

Mas pergunto: E será um silêncio particular nosso – só nosso? Peculiar a nossa formosa terra? Óbvio que não. O silêncio habita a terra goiana e habita o mundo inteiro. Ele está na superfície glauca de cada um dos mares do mundo. Está no alto e na encosta de cada serra, cada montanha, cada morro, cada colina. Na orla e no meio de cada mata. Na alma de cada homem perdido em si mesmo por se saber um quase desesperançado carente de amor. No ápice de cada arranha-céu de cidade-grande. No porão de cada casa, de cada prédio, de cada palácio. Na sombra que rodeia o talo de cada galho de árvore, grande ou pequena ou minúscula. No grão de areia perdido, invisível, no meio de cada deserto. No modo humilde de olhar da criancinha esquecida em cada trecho de rua de cada cidade. No rasto quase apagado – no descampado do ensolarado pasto – do boi que se encaminhou para o malhadouro em cada fim de tarde. No sono inocente da criancinha dormindo no berço ao lado da cama da mãe e do pai que dormem. No rosto resignado do homem que escreve uma carta de despedida. No olhar da mulher sentada em um banco do alpendre da sua casa a esperar o marido voltar do trabalho e a se lembrar com estranha saudade do tempo tão difícil em que viveu sozinha, grávida, na casa de uma irmã, enquanto o marido cumpria o seu serviço militar em um batalhão do Exército em Ipameri...

Existe uma quantidade infinita e inumerável de silêncios no mundo.

Um deles também é o silêncio do homem que procura as palavras com que tenciona e gostaria de registrar um momento de ensimesmamento poético, rico de bons sentimentos – mas ele sabe, com Mallarmé, que poesia não se faz com bons sentimentos nem com boas idéias, mas com palavras....

Ah! A eloqüência do silêncio!


*Alaor Barbosa, jornalista e advogado, é autor do volume Contos e novelas reunidos e, a sair, A guerrilha da Serra de Caldas; e dos romances Vozes e silêncios em Imbaúbas: a morte de Cornélio Tabajara; Memórias do nego-dado Bertolino d’Abadia; Belinha: uma lenda; Eu, Peter Porfírio, o maioral; e, a sair, Vasto mundo.
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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Aos poetas suicidas (Teresinka Pereira)

(Dennis Kann se suicidou a 12 de fevereiro de 2002)






Suas almas ao vento


seus corpos ao céu


da nossa dor.






A morte chegaria tarde demais:


tiveram que ir


ao seu encontro


e nada, nem ninguém


pode evitá-lo.






Poetas desolados:


seu silêncio é uma ferida


em minha voz.


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