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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O guerreiro de Palma (Batista de Lima)

(Nilto e Batista em noite de autógrafos do livro Pele e Abismo na Escritura de Batista de Lima)

Nilto Maciel é um escritor curioso. Nasceu em Baturité (1945), fez Direito em Fortaleza, exerceu a profissão de jurista em Brasília e publicou esse seu mais recente livro em Porto Alegre. Sua ancestralidade tem raízes em Quixeramobim na estirpe da família Maciel, de onde surgiu também Antônio Conselheiro.

Daí essa tendência nômade e mágica que o acompanha. Baturité é Palma, a cidade principal de seus livros, com alguns caracteres de Canudos, como o místico que permeia alguns de seus escritos. Por isso que os signos das suas narrativas derivam do profano ao sacro e do real ao imaginário. É uma literatura tão incomum que não dá para identificar suas intertextualidades.

Editor, mecenas, líder na classe dos escritores, transeunte das gerações literárias, Nilto Maciel pouco fala e muito diz. Mas quando diz, dispara uma fala inusitada e contundente, robustecida por uma sinceridade que faz falta aos seus circunstantes. Quando escreve, um mundo conflituoso vem à tona como borbulhas de um duplo que ele mesmo carrega e que há momentos que não tem como segurá-lo.

Por isso que seu texto tem muito de catarse, uma escrita um tanto terapêutica, que se não fluísse, nós teríamos nele um misto de Riobaldo, Quixote, José Arcádio Buendia, Antônio Conselheiro, Lampião, Cego Aderaldo e Mário Gomes. É daí que surge o inesperado na sua escrita, principalmente o surreal.

Nilto Maciel é também possuidor de um forte poder de liderança entre aqueles que lhe são próximos e que também incursionam pela vida literária. Por isso que tem participado de grupos literários, periódicos e eventos em que sua liderança se destaca pelo carisma e não pelo poder do grito.

Convence falando baixo e pausadamente. Convence, principalmente, pelo exemplo. Diz e faz. Assim, foi que nos idos de 1976, juntamente com alguns outros intelectuais, criou a revista "O saco", que mesmo não chegando a uma dezena de números, teve uma distribuição nacional e não continuou viva porque a censura do Planalto lhe costurou a boca.

Logo em seguida teve incursões no grupo Siriará e mesmo estando em Brasília, manteve contato literário permanente com o Ceará. Foi então que passou a editar a revista "Literatura" que ao longo de mais de uma década conseguiu aparecer em torno de três dezenas de números.

Essa revista produzida quase sempre de Brasília, em sistema de cooperativa, editava textos de escritores de toda parte, com ênfase, no entanto, para o escritor cearense. Mesmo com alguns compromissos rompidos por alguns dos cooperados, Nilto Maciel não deixava a revista morrer. Assim por conta e risco próprios não deixou de editá-la.

Essa luta de Nilto Maciel em torno da promoção literária o transforma em guerreiro, um verdadeiro apóstolo que leva a palavra escrita aos mais distantes recantos. Em Brasília foi sempre nosso embaixador literário, recebendo os mais variados escritores cearenses e divulgando-os no Planalto Central.

Com ele estive lá numa noitada literária no bar Macambira. De lá pula-se para Sobral ou Aracati e vemos o escritor em debates acalorados sobre os destinos e qualidades de nossa literatura. Entretanto, seu nicho por excelência é Fortaleza. Prova disso é que logo ao se aposentar, para cá retornou e agora barranqueiro revive sua glória, republicando-se, inclusive.

Já está, Nilto Maciel, no seu segundo volume dos "Contos Reunidos". Desta feita ele reedita "As insolentes patas do cão", de 1991; "Babel", de 1997; "Pescoço de girafa na poeira", de 1999. A vantagem de nos chegarem esses contos, em um só volume, é que se pode comparar com uma só leitura as características literárias do autor que permanecem de livro para livro e vão dando o perfil do seu estilo. As imagens têm uma conotação barroca, feito esculturas de postais antigos, mas logo em seguida situações absurdas nos jogam nas malhas do surrealismo. Entretanto, seus momentos culminantes ficam por conta do fantástico. Uma análise de sua obra, no total, vai mostrar essa característica como visceral na sua narrativa.

Exemplo disso é seu conto "Casa mal-assombrada". Nele, a mulher desaparece dentro de casa, e o homem, ministro demissionário, inicia um transe que vai da procura da mulher ao encontro de si próprio, a partir da imagem que vê quando se olha no espelho. "Esse tormento durou dias e noites. Anos e anos".

Isso prova que o tempo no fantástico não é do domínio humano. Ele é muito mais psicológico. Está alojado na zona sombria onde contemos o duplo. Por isso que, do desfecho desse conto, podemos até concluir que não é a mulher que desaparece, mas sim o próprio personagem narrador que é o real fantasma, ao concluir: "Esta casa é que não deixo".

Na linha do inusitado muitas são suas narrativas como no caso de "A vida eterna de Luís Lamento". É tanto que em torno de seu desaparecimento, surgiram muitas lendas, como: "embarcou para a lua numa nave russa, fundou um império na pirosfera, virou macaco, adquiriu os poderes da transparência, dividiu-se em dois, agigantou-se e, de tanto crescer, passou a girar em torno do sol". São situações incomuns que ele vai criando e que a partir de então podem-se estabelecer as suas intertextualidades a partir, principalmente, da influência recebida de Gabriel Garcia Marquez.

Finalmente, é importante destacar o domínio verbal que possui Nilto Maciel nos seus textos. Depois, a sua dedicação à literatura. Nos grupos literários de que participou, nos eventos, palestras, e nos lançamentos de livros, está sempre acercado de admiradores que querem participar de sua conversa.

É um conhecedor da literatura e dos literatos deste Brasil. Circula com desenvoltura por todas as gerações em atividade literária. Mergulha em discussões com remanescentes do Grupo Clã, com aquela entonação da Geração de 45, e emerge nos dias de hoje em diálogo aberto com os jovens que engatinham nas lides literárias.

Em todo esse percurso, impõe-se por uma fala consciente e conhecedora do que diz. Nilto Maciel precisa ser lido, estudado, reconhecido e admirado, porque produz e edita uma das melhores literaturas que se faz hoje no Brasil.

(Publicado no Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, em 1/2/2011)
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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Um certo gosto de infância (Simone Pessoa)

simoneps@fortalnet.com.br


Domingo à tarde. Ouço o tilintar frenético e ritmado do triângulo de metal que anuncia um vendedor de chegadinhos se aproximando. Meu ímpeto é correr para encontrá-lo, comprar uns pacotinhos e me deliciar com aquelas memoráveis guloseimas. Ao quebrar as lâminas - qual grandes hóstias - doces e finas e saboreá-las, sinto-me criança outra vez.