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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O homem do terno de vidro (Marcia Barbieri*)


(Série Minutos Despues I, Lacy Duarte)


“O tempo, o tempo é versátil, o tempo faz diabruras, o tempo brincava comigo, o tempo se espreguiçava provocadoramente, era um tempo só de esperas, me guardando na casa velha por dias inteiros (...)
(Raduan Nassar - Lavoura Arcaica)”


Sentia o perfume indiscreto do concreto fresco da nossa casa. De fora, um cheiro forte de peixe me entupia as narinas. Era estranho, porque o mar estava tão longe dos nossos olhos faiscados de areia. Apenas um minúsculo aquário inabitado enfeitava meus pensamentos. A gordura mórbida da solidão. Morávamos numa ilha e jamais tivemos saudades ou necessidade do mar. O mundo ia e vinha, holístico, tão alheio a tudo... Indústrias fabricavam sonhos de novos amores e nós comíamos do pão mofado de cada dia. Vinte mil léguas submarinas. Não entendia as engrenagens engolindo monstros e crianças disformes, mas me dava por satisfeita por não ser devorada, faltavam somente alguns pedaços inúteis, que provavelmente não sentirei falta no futuro. Juntos, planejávamos viagens que nunca faríamos. Contabilizávamos filhos já perdidos nos labirintos ocos e fétidos do ventre. Não compreendia o motivo do nascimento se localizar tão a margem da lama. Bocas de lobo deságuam em mim. Encaramujo. Nas horas de monotonia crio larvas raras e até agora nenhuma se transformou em borboleta, serviram apenas para engolir nossos jardins, em seu tímido, porém grotesco gigantismo.

Solidão nua (Tânia Du Bois)




“Este verso, / antes de luzir, / perde a graça.
Este poema / antes de me rir, / abre a bocarra.
E me espanta o juízo, / a fechar-me os lábios / deixando-me zonzo,/
a espiar o dia,/ a sonhar o nada.” Clauder Arcanjo




A solidão é considerada um referencial do homem moderno.
Na solidão nua encontro a reflexão “esquecida” como conhecimento para alcançar a proposta do ato de pensar – arte pelo jogo de luz e sombra.
A nudez da solidão tem a tendência de seguir pelo caminho onde o homem se sente preso na carga dramática e, ao mesmo tempo, sente-se livre da teia, das máscaras, num desejo de superar o espaço para sair das limitações da tela e do papel.

Ao ler uma obra de arte é preciso refletir, discutir sobre as impressões do “novo” e isso está em falta, porque o homem está sempre em busca do derradeiro sentido da vida. Por isso, vagamos sós e presos na solidão de nossas verdades; presos aos sentidos das nossas ações e discursos.

A solidão nua é atual e a sua característica é a angústia, isto é, ela se apropria do lugar escuro, numa espécie de revirar o lado claro das aparências. Como Jorge Luís Borges nos mostra em seu poema:

“Não restará na noite uma estrela. / Não restará a noite.
Morrerei, e comigo a soma / do intolerável universo.
Apagarei as pirâmides, as medalhas, / os continentes
e os rostos. / Apagarei a acumulação do passado.
Transformarei em pó a história, em pó o pó. / Estou
mirando o último poente. / Ouço o último pássaro.
Deixo o nada a ninguém”.

Sabemos que o mundo em que vivemos traz consigo o silêncio que nos enriquece, podendo nos levar à solidão nua onde os absurdos diários sobrevivem em valores que se eternizam em diferentes dias, como em "Domingo", "Quanto custam os dias em que não procuro nada //... silêncios significativos / e ressignificados em palavras vãs..." e em "Segunda-Feira", ambos de Pedro Du Bois, "Se estiver sozinho / o ouvido treina / ouvir a solidão / do destino / fechado no quarto / de apagada luz / em cerradas cortinas".
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