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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ouvindo Ravel (Carlos Gildemar Pontes)

Este texto é para ti, que escutou o meu chamado.



De repente Ravel ecoa pela sala. Tomo um susto do quanto Pavane pour une infante défunte me toca. Vou às lágrimas depois de aportar há 18 anos num lugar feliz do meu passado. Eu estava começando a sentir as dores da felicidade, aquelas que nos aquietam num canto ao som de alguma música que fala direto ao coração. Parece que é nesse momento que mudamos de fase. Amadurecemos e temos saudade da tristeza que passou, da alegria que nos contamina e nos faz ser leves dançarinos do sonho. Foi um tempo que me mostrou a delicadeza e o amor como urgência da alma. Soube aproveitá-lo e guardar os melhores fluidos. Soube errar quando aprendia e preparei meus cabelos grisalhos para o futuro. Tomei doses generosas de euforia e caí de porre de fantasia. Tive uma caminhada solidária com a minha alma solitária. Minha mãe havia fugido para o reino do sempre. E eu colecionava minhas sobras com o peito de um guerreiro no meio de uma travessia. Senti o gosto da lágrima mais doce e da mais amarga. Temperei o espírito para ser homem de fé no amor e na bondade que ele desencadeia. Sofri pela opção que fiz de enfrentar as sombras e as montanhas que se fechavam em egoísmo e inveja. Trago cicatrizes dessas batalhas. Pelo rosto, pelos cabelos, pelo corpo cansado de desencantos. Às vezes pensei em desistir no meio do caminho, mas aí teria que voltar e eu não sabia refazer o meu mapa. Teria mesmo de seguir e enfrentar os obstáculos e trocar a pele como réptil no deserto. Mas teria de enxergar as miragens que construísse, pois seriam minha salvação do nada. Alguma sorte me sorriu e eu retribui com a alegria que esconde a tristeza dos guerreiros. Soube acatar as ordens do coração e negar as imposições da opressão e do medo. Descobri segredos e armadilhas. Pulei distâncias e rompi os nervos da estagnação dos néscios. Ataquei a intransigência e recebi a peçonha da vingança. Guardei, porém, o canto e as cores de muitas nuvens, as rosas de muitas auras, os cheiros de muitos bosques. Fiz e refiz planos, desfiz desenganos e preparei algazarra para solidão. Confirmei no meu coração a força capaz de me guiar para além de qualquer ilusão. Pavane pour une infante défunte é muito triste. Mas eu estou feliz porque tenho a certeza do amor no meu coração.

gilpoeta@yahoo.it


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domingo, 27 de fevereiro de 2011

"O príncipe dos escritores brasileiros" (Rosângela Vieira Rocha)


(Moacyr Scliar)


Acordei hoje com a notícia da morte de Moacyr Scliar. Desde o dia 17 de janeiro, quando foi internado para retirar um pólipo benigno no intestino e teve um AVC no próprio hospital, venho acompanhando, com preocupação, as notícias sobre sua saúde.

No último dia 9 seus leitores e amigos agarraram-se à esperança: houve uma perspectiva de melhora, pensou-se até que a sedação poderia ser retirada. Que ele iria melhorar, enfim. Contudo, a situação acabou se complicando com o surgimento de uma infecção respiratória, levando-o à falência múltipla dos órgãos.