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Sem Título - Alex Vallauri |
Os sobreviventes da utopia morta[1]
Que diabo significavam pedaços de papel coloridos
e numerados que aqueles recebiam dos
chefes e trocavam por comida,
roupa, objetos variados de propriedade
dos mesmos chefes?
Nilto Maciel
Sonho a minha carne devorada
em milhões de outros corpos,
vidas futuras.
Lacera-me a premonição de uns terríveis dias,
escassos de humanidade,
rotos de sonhos.
Nesta aldeia de um tempo sem relógio,
entre o tear e a hortelã,
entre a lenha e o barro,
entre o milho verde e a chuva irmã,
adivinho o sol de um mundo estranho
a cair, imenso, sobre tudo e todos,
inclusive meus filhos,
que o serão também
― diz-me o sonho ―
filhos de um pai Abraão,
de um mãe máquina;
irmãos do perigo,
da desordem
e da tristeza.
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Sem Título - Alex Vallauri |
Minhas secretas luas[2]
Não havia nenhuma pressa em seus pés,
nem sequer algum desígnio em seu olhos.
Bastava andar, acompanhar o desenho dos próprios
passos, para cansar-se e poder dormir.
Nilto Maciel
Trago do lado avesso do peito
secreta porta,
página sutil e irrequieta
de um livro primal.
Por sua trágica magia, a prata
de um punhal, o aço de mil luas,
a sombra volumosa de meu grito
inascido.
(Corro! Para onde?)
Habito a viagem que me funda
o deus solitário, cheiroso a nicotina
― e a sangue.
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Sem Título - Alex Vallauri |
Teu último eterno dia em mim[3]
Cabe a mim completar a história
― essa pequena história vivida por ela e por mim.
Nilto Maciel
Não é teu fantasma num capulho
a gestar aljôfares.
Não é um delírio que minh’alma
gane, íngreme, noutro diabolos.
É teu timbre quando me percorrem
Yardbirds, Joni Mitchell, The Who
(e os aromas de cuscuz e café
em mês viçoso de flores).
É um palimpsesto brotando infinito
de teu diário, transitando sua seiva
em meu pensamento.
É a tua imagem no carbono flácido
de teu corpo pétreo, imóvel,
que me passou qual areia entre os dedos.
Para nunca mais. Para sempre.
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Notas:
1 - Inspirado no conto Aqueles homens tristes de Nilto Maciel, constante de Contos Reunidos - Vol. I, Editora Bestiário, p. 14.
2 - Inspirado no conto O pecado de André Guide de Nilto Maciel, constante de Contos Reunidos - Vol. I, Editora Bestiário, p. 37.
3 - Inspirado no conto As irreversíveis lavas do Vesúvio de Nilto Maciel, constante de Contos Reunidos - Vol. I, Editora Bestiário, p. 42.
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