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segunda-feira, 21 de março de 2011

Quero assim (Carlos Nóbrega)




Quero assim o meu tempo de viver
poroso e pulsante
com o mistério e a claridade meio a meio
Um olhar de soslaio sobre um seio
outro olhar com a piedade que há em maio;
Quero-o assim para que, após,
quando o meu tempo estiver vencido
tenha sido como se fora escrito
por José Maria Eça de Queiroz.
/////

Poemas (Webston Moura)

Sem Título - Alex Vallauri




Os sobreviventes da utopia morta[1]


Que diabo significavam pedaços de papel coloridos
e numerados que aqueles recebiam dos
chefes e trocavam por comida,
roupa, objetos variados de propriedade
dos mesmos chefes?
Nilto Maciel


Sonho a minha carne devorada
   em milhões de outros corpos,
                              vidas futuras.

Lacera-me a premonição de uns terríveis dias,
                                     escassos de humanidade,
                                                     rotos de sonhos.

Nesta aldeia de um tempo sem relógio,
                          entre o tear e a hortelã,
                          entre a lenha e o barro,
    entre o milho verde e a chuva irmã,
adivinho o sol de um mundo estranho
       a cair, imenso, sobre tudo e todos,
                  
                             inclusive meus filhos,

que o serão também
― diz-me o sonho ―
filhos de um pai Abraão,
de um mãe máquina;
irmãos do perigo,
da desordem

                         e da tristeza.





Sem Título - Alex Vallauri



Minhas secretas luas[2]



Não havia nenhuma pressa em seus pés,
nem sequer algum desígnio em seu olhos.
Bastava andar, acompanhar o desenho dos próprios
passos, para cansar-se e poder dormir.
Nilto Maciel


Trago do lado avesso do peito
secreta porta,
página sutil e irrequieta
de um livro primal.

Por sua trágica magia, a prata
de um punhal, o aço de mil luas,
a sombra volumosa de meu grito
                                          inascido.

(Corro! Para onde?)

Habito a viagem que me funda
o deus solitário, cheiroso a nicotina
 
                                    
                                     ― e a sangue.






Sem Título - Alex Vallauri



Teu último eterno dia em mim[3]



Cabe a mim completar a história
― essa pequena história vivida por ela e por mim.
Nilto Maciel


Não é teu fantasma num capulho
a gestar aljôfares.
Não é um delírio que minh’alma
gane, íngreme, noutro diabolos.

É teu timbre quando me percorrem
Yardbirds, Joni Mitchell, The Who
(e os aromas de cuscuz e café
em mês viçoso de flores).

É um palimpsesto brotando infinito
de teu diário, transitando sua seiva
em meu pensamento.

É a tua imagem no carbono flácido
de teu corpo pétreo, imóvel,
que me passou qual areia entre os dedos.

Para nunca mais. Para sempre.

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Notas:

1 - Inspirado no conto Aqueles homens tristes de Nilto Maciel, constante de Contos Reunidos - Vol. I, Editora Bestiário, p. 14.

2 - Inspirado no conto O pecado de André Guide de Nilto Maciel, constante de Contos Reunidos - Vol. I, Editora Bestiário, p. 37.

3 - Inspirado no conto As irreversíveis lavas do Vesúvio de Nilto Maciel, constante de Contos Reunidos - Vol. I, Editora Bestiário, p. 42.

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