Translate

segunda-feira, 9 de maio de 2011

poesia à margem (Nuno Gonçalves*)




deriva,


da cabeça de um nauta torpe


a fineza de um fogo torto.


como se já não bastasse o lema:


insensato coração de náufrago,


agora esse mundo devassado.


todas as distâncias se resumem


na mirada que percorre o espaço


onde copulam as galáxias.


sem ruído a verve refaz insônias


enquanto a história dorme.


o pavor é uma equação antiga


enterrada do outro lado da divisória linha


o amor é uma canção antiga


soterrada na estrada em brasas.


ser herói à margem


punk por um dia


ou qualquer coisa que resista à real-política.


o cosmos é uma abstração ilógica


para a qual o bom senso nunca atina.


qualquer cisma vem sempre antes da pessoa que anuncia


deslocando o foco tão incerto da retina.


todo dia é sempre outro


o espelho que novamente nos identifica.


suspensa entre o sal e o azeite


a memória vai parindo seus eclipses...

__________
[*Nuno Gonçalves é poeta e professor de História. Publicou o livro Cartas de Navegação em 2009 e é homônimo de um pintor português do Século XV].

/////

Poemas (Dércio Braúna*)

Sem Título - Frans Krajcberg




METAFÍSICA ENQUANTO A MORTE SE ATRASA



Os poetas estão dóceis.
Os mortos,
                   jazem, em placas, pelas esquinas,
                  dando nome aos chãos
                                       do passar de cada dia;
os vivos,
amontoados entre a poeira e as traças,
mal respiram ― ainda.

Que destino:
travar-se com a língua,
                (o que é dizer com um corpo,
                                          latente coisa)
munir-se até os dentes com farpas;
lacerar a couraça em seus gumes,
espatifar a lira,
forjar outra matéria (ainda língua) depois de tudo,
                  e findar
                  dependurado ao alto
                  no triste afazer de nomear o onde
                  os homens
                  não se vêem, não se olham,
                  não se tocam
                  senão por trinta dinheiros!


_____________________________________________
*Dércio Braúna é historiador, poeta e contista, autor de O pensador do jardim dos ossos (Expressão Gráfica e Editora, 2005), A Selvagem Língua do Coração das Coisas (Realce, 2005), Metal sem Húmus (7 Letras, 2008), Uma Nação entre dois mundos: questões pós-coloniais moçambicanas na obra de Mia Couto (Scripta Editorial, 2008), Como um cão que sonha a noite só (7 Letras, 2010). Contato: derciobrauna@bol.com.br.