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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Retábulo (Ronaldo Monte)



Determinados eventos têm o poder de nos transformar de uma maneira irreversível. Não estou falando dos escândalos da paixão nem das agonias da morte, casos extremos e inevitáveis em nossa condição de viventes. Não me refiro tampouco aos fenômenos naturais, enchentes, furacões, tsunamis, nem aos desastres ambientais. Falo de acontecimentos mais sutis, que nos pegam de surpresa em certos momentos da vida. Pode ser um encontro com algum desconhecido, ou a revelação de uma qualidade nova em algum velho amigo. Você tem um colega de trabalho que vive uma vidinha de nada. De repente, ele senta num piano e toca uma sonata de Chopin. Eis um pequeno exemplo de espanto.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Márcia Barbieri: fogo e magma (Nilto Maciel)



Como todo leitor, leio tudo. Desde pequeno adquiri o vício de ler paredes e caibros, chão e teto, sapatos e pés, pernas, coxas e ancas, boca e olhos, testa e cabelos, tristezas e sorrisos. Leio as pessoas em movimento ou paradas. Os bichos também. Os ventos, o calor, o frio. Leio o céu, as nuvens, a chuva, as estrelas. Leio livros. Do título à última capa. Leio as abas e o prefácio, após a leitura da obra. Nunca antes. E assim o fiz com a nova coleção de composições ficcionais de Márcia Barbieri: As mãos mirradas de Deus (Rio de Janeiro: Multifoco, 2011). Primeiro li os contos (serão mesmo contos?), fiz algumas anotações num caderno, após um café com leite e tapioca, no Shopping Benfica, numa tarde de setembro. Sentei-me numa cadeira na “praça de alimentação”. Meninas se beijavam, se alisavam, segredavam carícias. Noutras mesas, jovens imberbes também se acariciavam e faziam juras de amor eterno. Aquilo não me tornava mais viril, mas me incitava a ler Márcia. Por mim passou João Soares Neto, o dono do lugar, me fez um elogio e saiu a sorrir. Na mesa ao lado, um coronel da reserva lembrava uns “áureos tempos da revolução”, enquanto chupava gelo e uísque. Uma senhorinha passou e me viu a ler. Perdi a concentração e fitei a vista nas ancas dela, que viu meu olho aceso, caminhou mais, parou e voltou. Boa tarde. Está lendo? Não durou muito o diálogo e voltei às mãos mirradas de deus.