(Escritor Hildeberto Barbosa Filho)
Nunca
leio, logo após o almoço. Sento-me no sofá e faço planos para a tarde: dar
continuidade à revisão de minhas memórias; ir ao Shopping Benfica, tomar café,
às 15 horas; pagar a fatura do cartão de crédito ou simplesmente andar à toa.
Ontem, porém, quebrei o protocolo e me pus diante do denso tomo da poesia
reunida de Hildeberto Barbosa Filho. Precisava completar a leitura iniciada
semana passada. Lido o último poema (“Herança / não deixarei. // Olhem / o
sangue dos cactos / na paisagem nua // uma haste de luz / suspensa na tarde
agreste // os paupérrimos marmeleiros, / as cicatrizes do deserto, / os
solitários labirintos / do vento” // o silêncio, a morte, / o esquecimento. //
Eis o que fica”), fechei os olhos. Aqueles versos, aquela poesia, aquele poeta
não existiam. Sim, aquilo me parecia belo demais para minha realidade de ser em
plena decadência. Aquelas imagens me deixavam extasiado. E eis que tocaram a
campainha. Tomei mais um susto, apalpei o coração e me lembrei de Camila Peçanha.
Sim, só poderia ser ela. Tínhamos combinado, desde segunda-feira, um bate-papo,
para ontem. Queria traçar um desenho de minha rotina de escritor, conhecer-me
mais. Só para ilustrar uma “aula”, na Universidade onde estuda. Quem indicou o
meu nome? Não sei se o senhor conhece: Batista de Lima. Ora se conheço. Para
ser preciso, desde 1945. Tudo isso? Estou brincando. Ele parece tão novo. E eu
tão velho? Ela riu. Encerramos a conversa e voltei aos versos de Hildeberto (eu
ia pela metade de Nem morrer é remédio):
“Fica na casa / o copiar de lembranças // as cortinas de vidro / espelhando a
entrada // a cumeeira exilada / donde pula a infância // as varandas intensas /
polidas de ausência”.