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sábado, 24 de novembro de 2012

O capim (Silmar Bohrer)




 
                                  o capim tiririca
                                  é igual
                                  ao bicho-homem

                                  por onde passa
                                  consome
                                  e sempre
                                  complica, complica   

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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Livros que W. J. Solha gostaria de ter assinado (Nilto Maciel)




Não sei se as palavras que virão nesta crônica (talvez no meio do caminho vire resenha ou artigo) terão algum valimento, quer como registro para uma história ampliada da literatura brasileira do começo do século XXI, quer como publicidade do impresso que tenho diante dos olhos. Pronto: dei início à crônica. O objeto dela é o compêndio Sobre 50 Livros (Brasileiros/contemporâneos) que eu gostaria de ter assinado, do multiartista W. J. Solha, batizado Waldemar José Solha, filho de Sorocaba, São Paulo, e, em 1962, adotado pelo Estado da Paraíba.

Na quarta capa do volume lê-se uma explicação. Trata-se de “homenagem que faço aos escritores brasileiros – muitos deles conterrâneos paraibanos – que mais me marcaram no que lançaram suas criações, nestes últimos anos. Não sendo profissional de crítica literária, dei-me ao luxo de nunca publicar nada acerca de obras que não me agradaram. Com isso, a simples presença, aqui, do comentário abordando um romance, ensaio, poesia, coletânea de contos, memórias, já é um elogio que faço a seu autor. Houve, claro, belos trabalhos em cima dos quais não fui capaz de uma análise competente, o que significa se um e outro texto não foi mencionado, não é sinal de que o rejeitei. A intenção, em cada tentativa de interpretação, foi a de aprender com o que acabara de ler, juntando à emoção da leitura o grande prazer da descoberta, que apenas se torna completa, se repartida”.

O articulista/cronista justifica o pequeno número de peças reunidas no tomo de que tratamos, apesar de homem de muitas leituras (como todo cidadão das letras). Não sendo “profissional de crítica literária”, optou por se debruçar apenas sobre seus conterrâneos. Ou seja, não se sentiu tentado a “criticar” estrangeiros célebres, tão estudados (vida e obra) que pouco resta ao crítico, a não ser inventar. Além disso, preferiu dedicar algumas linhas apenas aos escritos que lhe deram mais deleite. Não todos, por se sentir incapaz “de uma análise competente”. Outra explicação para o número reduzido de estudos parece estar no motivo de somente há pouco tempo ter se interessado pela prática da resenha.

O modo como Solha trata as composições literárias alheias é sui generis. A começar pelas ilustrações de que se vale: fotografias de monumentos antigos e de paisagens modernas, quadros famosos, capas de livros, cartazes de filmes, rostos de escritores, etc. Na verdade, o que ele faz é uma associação de ideias: certo verso lembra determinada cena de filme; o assunto de um romance remete a uma ópera; algum conto traz de volta uma pintura clássica. E isso só é possível pela riqueza da memória do cronista, que, por sua vez, só se concretiza em razão do acúmulo de conhecimentos em quase todos os campos da cultura: literários, cinematográficos, dramatúrgicos, musicais, pictóricos, etc. Ao se reportar ao meu romance Carnavalha, fez as seguintes alusões ou referências: primeiro às dez pragas do Egito (Bíblia); estas lembraram a chuva de rãs no filme Magnólia, de Paul Thomas Anderson; este o conduziu à música It’s Raining Men, Halleluyjah! (Está chovendo homens, Aleluia!), “que por sua vez me leva ao quadro A Queda – Chuva de Homens, de René Magritte”. Não se trata de simples eruditismo ou de pedantismo (próprio dos jovens e dos ignorantes). Não, não é isso, pois Solha é mesmo um erudito que tem a virtude de mostrar (transmitir) aos leigos ou aos jovens os seus saberes.

Os breves estudos reunidos no tomo aqui noticiado são aulas que nem nas melhores universidades talvez aconteçam. Veja-se o primeiro assunto da coletânea: o poeta Ivo Barroso ou, mais especificamente, o conjunto de poemas A Caça Virtual: “De repente dou com um trecho de poema longo (Papel & Chão), em que, em poucos e lindos versos, leio o que me custou um romance inteiro pra dizer”. E eis a lição: a poesia (a boa poesia) é capaz de pintar em poucos versos o que um romance só pode mostrar em dezenas de páginas, em narração às vezes enfadonha.

Solha dá a mesma atenção tanto a poetas e ficcionistas consagrados como a principiantes ou provincianos ou pouco vistos nas estantes das livrarias. O objetivo dele é divulgar a literatura de nossos patrícios. “Autores consagrados” é expressão um tanto falsa, pois quase todos nós somos “ilustres desconhecidos”. O termo “provinciano” pode soar como depreciativo, vez que “província” nos lembra passado muito recuado e atraso. Entretanto, é preciso reconhecer que alguns entes federativos do Brasil ainda não lograram se livrar do epíteto indesejado.

A obra “crítica” de W. J. Solha sonda livros (quase todos) oriundos de pequenas editoras (João Pessoa, Fortaleza, etc.), que jamais serão vistos nas prateleiras das redes nacionais de exposição de impressos. Um ou outro saiu por casa do Rio de Janeiro ou de São Paulo. E o crítico sabe que a qualidade de uma peça literária não está no selo ostentado na capa. Pois quem há de negar o enorme valor de cultores das letras como os cearenses Batista de Lima, Dércio Braúna, Luciano Maia, Soares Feitosa? Ou o gaúcho Pedro Du Bois, o capixaba Jorge Elias Neto, os paraibanos Sérgio de Castro Pinto e Hildeberto Barbosa Filho? Os leitores mais sofisticados, os que só leem livros de livrarias luxuosas e se orientam pelos releases estampados nos cadernos de cultura, certamente não os conhecem. Mas conhecerão e saberão por que Solha os leu e a eles destinou algumas linhas. Os outros, mais conhecidos (chancelados por editoras de São Paulo e Rio de Janeiro), também não ficaram de fora, que Solha não tem preconceito, seja de etnia, credo religioso, ideologia política, comportamento sexual, etc. Assim, no compêndio aqui comentado se veem belíssimas crônicas (podemos chamar assim?) em homenagem a Affonso Romano de Sant’Anna, Carlos Trigueiro, Esdras do Nascimento, Ivo Barroso, Marília Arnaud, Moacyr Scliar, Rinaldo de Fernandes, Ruy Espinheira Filho, e também Abelardo Jurema, Aldo Lopes de Araújo, Bráulio Tavares, Cláudio B. Carlos, Cláudio José Lopes Rodrigues, Clemente Rosas, Georges Perec, Glauco Mattoso, Hugo Almeida, Jessier Quirino, José Bezerra Cavalcante, José Bezerra Filho, José Jackson  Carneiro de Carvalho, José Nêumanne, Marluce Suassuna Barreto Maia, Otávio Sitônio Pinto, Paulo Vieira, Ronaldo Monte, Tarcísio Pereira, Vitória Lima e Wills Leal.

A última página destes 50 livros que W. J. Solha gostaria de ter assinado traz uma carta dele a mim. Trata-se de lição de história, de Vulgata, de latim e de Borges, ao interpretar meus Contos reunidos. Lição e elogio, ao mesmo tempo: “é uma delícia ver tal virtuosismo que chega a ser maneirista, num conto” (refere-se ao “A pálida visitante”).

Fortaleza, 21 de novembro de 2012.

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