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domingo, 13 de janeiro de 2013

Os bichos, a palha (Ronaldo Monte)





Não importa se é mito, não importa se é fato. Crente ou descrente, nenhum membro da cultura ocidental pode ficar alheio à figura do Cristo. Principalmente às imagens estabelecidas como o princípio e o fim da sua vida terrena. Dispensemos, por hora, a imagem da solidão e do sofrimento do Calvário. Vamos ficar com a imagem da origem, aquela cena simples do menino deitado na palha, velado pelos bichos, sob os olhos dos pais. Não precisamos de nenhum recurso à divindade para compreender o que tal cena nos quer dizer. Ali está representado, ao mesmo tempo, todo o desamparo humano e as possibilidades da sua reparação.  A marca do humano é o desamparo. Somos lançados prematuramente no mundo, antes que tenhamos alcançado o nível de desenvolvimento suficiente para fazer o que qualquer mamífero consegue: erguer-se sobre as patas e buscar o peito da mãe. Deixado as suas próprias custas, o ser humano não vinga. Para isto estão ali o pai e a mãe do menino. Para fazer por ele o que o seu desvalimento não permite.  Mas o que representam, então, a manjedoura e sua palha, os animais e seu silêncio? Cada um de nós pode tentar sua própria interpretação. Para mim, a pobreza do cenário serve para dizer que não se precisa de muito para estar no mundo. Para o frio da noite do deserto, está ali o calor da palha. Para as tentações do poder dos homens, ali está a humildade dos bichos.  O menino vai crescer, vai deixar seus pais, vai correr o mundo pregando uma mensagem até hoje incompreendida. E quanto mais longe estiver deste cenário de origem, quanto mais certeza tiver da sua divindade, mais perto estará da imagem final da solidão e do sofrimento. Por isso, a cada ano, devemos nos lembrar que, para sermos solidários em nosso desamparo de humanos, precisamos guardar em nós o calor da palha, a humildade dos bichos.  

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sábado, 12 de janeiro de 2013

Quando o Amor é de Graça XXI: Crônica Epistolar (Raymundo Netto)

Para D. Lúcia Dummar


Outubro de 2011.
Deixado um apartamento amarelo, abri a porta do quarto da meninice na casa paterna. O seu bafio me tomou o rosto, na tenção de imprimir-lhe o sorriso fácil da ingenuidade, ao tempo que apontava-me o pó da ausência de tantos anos, de uma história, dizia ressentido, adormecida.
Não me suportava aquele quarto: escuro, quente, sujo e profundamente triste, porém tão cheio de mim a assustar. Olhava à porta, sentia-me 20 anos mais jovem, assistindo meus pais 20 anos mais velhos. A surpresa de um futuro inesperado a todos. A ausência devorando tudo.