Sânzio de Azevedo me telefonou à tarde de 30 de abril último
para anunciar a morte de Nilto Maciel. Já não bastava a aflição da Declaração
do Imposto de Renda, no seu último dia. Havia prenúncio desde cedo, com
Fortaleza engasgada de carros que não se moviam. Inacreditável tão fatídica
notícia sobre alguém tão presente na nossa vida literária, sobre um líder entre
gerações de escritores de 1970 até hoje. Talvez só parelha com Rogaciano Leite
Filho, que, mesmo assim, teve uma morte mais ou menos convivida. Nilto sempre
foi surpreendente, em Fortaleza ou em Brasília, em que residiu por três
décadas, estava rodeado por escritores, falando pouco e dizendo muito.
Nilto Fernando Maciel nasceu em 30 de janeiro de 1945 em
Baturité, cidade em que fez seus primeiros estudos. Ainda adolescente já estava
em Fortaleza para estudos mais avançados que o levariam, com o tempo, a
ingressar na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Como
advogado candango chegou a Brasília, enquanto aquela cidade ainda adolescia, e
por lá ficou trabalhando no Tribunal de Justiça até quando aposentou-se e
retornou para Fortaleza. Tanto na Capital Federal quanto na Capital Cearense,
engajou-se no mundo da Literatura como notável narrador e também como
organizador de grupos literários e periódicos de vasta repercussão nacional.
Fui apresentado a Nilto Maciel em 1971, pelo seu irmão
Ednardo, que como eu, fazia Letras, curtia literatura e frequentava o
Restaurante Universitário. Ednardo faleceu em um acidente automobilístico e a
amizade com Nilto ampliou-se quando ele, ao lado de Jackson Sampaio, Carlos
Emílio Correia Lima e Manoel Raposo fundaram a revista O Saco de que éramos
curtidores assíduos. Sua ida para Brasília parecia que ia quebrar esse vínculo
afetivo. Acontece que em 1979, com o surgimento do Siriará, grupo literário com
mais de duas dezenas de escritores, estávamos de novo batalhando juntos pela
Literatura Cearense.
A distância entre Brasília e Fortaleza não impediu de Nilto
atuar no novo grupo literário, principalmente lá fora, na divulgação do que
fazíamos aqui. Qualquer feriado, período de férias e final de ano, estava o
companheiro conosco em reuniões literárias e noitadas no Estoril. Era um boêmio
de poucas palavras e muitos goles, no entanto, sempre comedido, parceiro e
fraterno. Qualquer um de nós quando íamos a Brasília, era festa na certa. O Bar
Macambira era local de reunião de confrarias literárias. Ali se reuniam poetas,
políticos, leitores e boêmios em papos e doses que varavam a noite.
Ao se aposentar, Nilto Maciel retornou em definitivo para
Fortaleza e dedicou-se exclusivamente à Literatura. Aqui, nessa nova fase,
transformou-se em verdadeiro guru das novas gerações de escritores, sem
esquecer as antigas. Circulava com desenvoltura entre remanescentes do Grupo Clã
(década de 1940), Grupo dos Concretos (década de 1950), Grupo SIN (década de
1960), Grupo Siriará (década de 1970) e estava sempre cercado de jovens
escritores que se tornariam revelações de nossa Literatura como Pedro
Salgueiro, Dimas Carvalho, Cândido Rolim, Hermínia Lima, Aíla Sampaio, Tércia
Montenegro, Raymundo Netto e muitos outros.
Aliás, foi Raymundo Neto quem primeiro tomou conhecimento de
sua morte. Afinal, há dias ele não atendia telefonemas e estava descumprindo o
compromisso literário com a UVA (Universidade Vale do Acaraú), em Sobral, em
evento sobre a Literatura Fantástica no Ceará, em que seria um dos
palestrantes. Não seria a primeira vez que Nilto Maciel falaria para estudantes
de Letras em Sobral. Lá estivemos, tempos atrás, com o mesmo objetivo e foi
visível o sucesso de sua fala. Também estivemos em missão similar em Aracati e
em várias oportunidades em Fortaleza.
Nilto Maciel é autor de doze livros de contos, nove
romances, três coletâneas de ensaios e mais três livros de crônicas memorialísticas.
Descendente da estirpe da família Maciel, de Quixeramobim, um de seus
ancestrais é Antônio Conselheiro, líder do episódio épico de Canudos. Talvez
esse DNA o tenha tornado um escritor cultivador do fantástico, conhecido
nacionalmente. Seus livros trazem o selo de editoras locais, de Brasília, São
Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Há deles traduzidos para outras
línguas e pelo menos um transformado em filme. Sua mais recente publicação foi
"Sôbolas manhãs" que me foi enviado 20 dias antes de sua morte.
De 1992 a 2008 Nilto Maciel editou e distribuiu
"Literatura: Revista do Escritor Brasileiro", em mais de trinta
números. Dada a nossa amizade, sempre publicava meus textos, a ponto de me
orgulhar de estar presente em todas as edições. Sempre o correio me trazia dez
exemplares de cada número. É por isso que sua partida inesperada traz um vazio
imenso para nossas letras. Deixa órfã uma geração de jovens escritores que o
tinham como referência e põe em alerta os da sua geração que o admiravam tanto.
É que essa vida é traiçoeira e que esse seu mais recente livro em vez de
"Sôbolas manhãs" se afigura aos nossos olhos como "Sôbolas
tardes". Nossa geração Siriará já ultrapassou o meio dia.
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* Originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste. Clique "aqui".