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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O pai a flecha a gosto (Clodomir Monteiro)



Quem gera a flecha octogonal

I
Introdução do pai outono
o pai na flecha que o define
não finda o fim de quem o tem
se quem não tem vivo o seu arco
vive a procura pela haste
arremessada sem a ponta
II
constante arte armadeira
constante a haste de madeira
provida pedra aguçada
pontuda tem inconstante ferro
flèche a origem fala mecha
penas ou barbas nesta langue
III
objeto forma da flecha
se quem ataca quer vencer
munida vem de um entalhe
adaptado à corda d`arco
o pai será bem conformado
ele objeto flecha e seta
IV
pai geometria octogonal
a quem do raio perpendicular
à corda o pai acerta geometria
flecha jungida entre esta e o arco
gera figura a outra flecha bela
da natureza parteira da vida
V
na arquitetura dos arque dutos
agulha de piramidal remate
da torre igreja obra sacro oficio
templo arquiteto demais edifícios
o pai agulha construtor profano
provê fachada santos aquedutos
VI
paterna construção mecânica
Pai curvatura viga que situa
peça obediente transversal esforço
integra inteiro o seu comprimento
à largura abaixo e acima flutua
não cria só com a terra mãe atua
VII
reina sagittaria montevidensis
na embocadura também reina flecha
do pai rebento enxerto terminal
flecha galocha a proteger a brecha
inflorescência fogo das gramíneas
pai planta aquática ornamental
VIII
botão da paternidade botânica
sinal do desenho certeira flecha
durante a vida educa e dirige
pai quase sempre martim - pescador.
busca comida outonando amor
flecha de parto filho pai revive

Rio Branco, 1 / 2 – 8 – 2007
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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Realismo carnavalizado (Fernando Py)



O livro de Nilto Maciel é bem curioso. A cidadezinha de Palma, no interior do Ceará, recebe a visita de jovens estudantes brasilienses, justo durante o carnaval. É grande a balbúrdia: animais e homens se misturam, quase todos os homens estão fantasiados de bichos, e o bêbado Zuza se confunde todo ao olhá-los. É o começo da história, e o clima permissivo do carnaval reforça a estranheza da narrativa. O leitor se vê apresentado a um ambiente de luxúria, violência, humor e nonsense, descrito em cores realistas, mas de um realismo muito sujeito a ser atingido por uma sátira que o desqualifica, um realismo carnavalizado (no sentido definido por Bakhtin), onde nada do que ocorre pode ser como é descrito: por exemplo, a matança de cães, no início da quarta parte, não é para ser tomada ao pé da letra, pois os cães sacrificados voltam a aparecer no fim da história. Assim, verdade, invento, realidade e mentira podem ser vistos como sinônimos, duas faces da mesma moeda, tão iguais e legítimas que seria difícil, senão impossível, distingui-las. Servindo de pano de fundo ao desenrolar do entrecho, o próprio carnaval permite e alimenta os equívocos, sobretudo na quinta parte, onde uma coruja espia o sono de diversos personagens que sonham as coisas mais doidas e extravagantes. O romance termina com o capítulo único da oitava parte, passado num baile de “frenesi contagiante”, com danças, rebolados, mãos dos homens nas nádegas femininas, etc. o romance de Nilto Maciel pode ser encarado como uma sátira... a quê? Aos destemperos das pessoas durante o carnaval, quando se julgam livres para fazer o que quiserem, principalmente seguindo suas fantasias sexuais? À vida monótona dos povoados do interior – não só no Ceará? Ao próprio gênero romance, que aqui sofre desarticulações em uma narrativa até certo ponto desconexa? A tudo isto, nos parece. Nilto Maciel é um escritor de larga experiência na criação de tipos e ambientes. Carnavalha, com seu sentido alusivo, desde o título (que pode se decompor em carne, carnaval e navalha), fornece o possível aproveitamento de palavras isoladas, como faz o bêbado Zuza no último parágrafo, e previne o leitor para o lado puramente humorístico da trama. Vale a pena ler e reler com atenção.
(Tribuna de Petrópolis, 23/1/2009, caderno “Lazer”, p. 5)
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