(Quadro de Aldemir Martins)
Escrever diário é não viver. Ou é viver só para
escrever. Com anotar fatos do cotidiano se parece fotografar ou filmar. Pintar
ou desenhar também. A cada dia, a cada hora, o autor de jornal literário ou
íntimo (ou pintor, fotógrafo, cinegrafista) estará a se perguntar: por que fui
à praia? Para anotar o passeio no caderno. Para fotografar ou filmar o mar. Não
para vê-lo, não para desfrutá-lo, não para correr nas praias, pisar a areia,
sentir a brisa. O escritor de diário, do mesmo modo o fotógrafo, o pintor, o
cinegrafista, é mero anotador de movimentos ou poses dos outros. Da vida dos
outros. Ele mesmo não vive. A não ser que outro escritor, pintor ou fotógrafo
“narre” seu cotidiano. E se outro, terceiro pintor, se dedicar a pintar o
segundo pintor a pintar o primeiro pintor?