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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Franklin Jorge, seus poemas (Antonio Carlos Villaça)



Os Poemas Diabólicos & Dois Temas de Satã estão sob a égide de Fernando Pessoa. Franklin Jorge é um poeta abissal. Ele é um irmão de Drummond e de Pessoa, daquela poesia metafísica que, partindo do desespero, chega a uma espécie de serena angústia, um claro enigma, uma difícil manhã. Manha, manhã, amanhã. Não é mesmo, Cassiano Ricardo?

Há uma infinita astúcia no poema de Franklin Jorge, rapaz denso, que sabe exprimir-se. Sua angústia a um tempo física e metafísica, total, ele a expressa com uma intensidade contida que a mim me comove.





Esta voz é frágil, sim, mas é também forte, estranhamente poderosa, porque sofrida, dilacerada, esquartejada entre o espírito e o mundo, entre o eu e o não-eu, entre sim e não, entre o ser e o nada sartriano, entre Deus e o demônio. Há um terrível tom de desafio. O poeta aceita a luta, o duelo, com anjos e anti-anjos, e entre o orgasmo e a pureza impossível se equilibra e se traduz, no logos e pelo simples logos.

A identificação entre Deus e hospital, paradoxal, cortante, inesperada, vivíssima, nos lembra o livro de Maura Lopes Cançado, quando Deus e hospício de fato, aqui e agora, se identificam, tragicamente. Deus loucura.

“Deus é espanto”, o poeta o intui. E logo aproxima hóstia e sexo. A chave de tudo aí se condensa. A hóstia e o sexo unem-se no poema, como se unem no poeta. A coincidência ou a concordância das antíteses.

A explicação (se explicação existe) se nos impõe. A força e a fraqueza se confundem, se justapõem misteriosamente, se implicam, ou se convertem, no sentido em que ens, bonum, verum unum convertuntur, como diziam os tomistas.

Maritain compreendeu maravilhosamente a alma desolada e simultaneamente lúdica de Cocteau. Uma dança por sobre o abismo, um desafio diante do abismo essencial. Réponse à Jean Cocteau é mais do que um apelo, porque é a pura compreensão, inteira, límpida. A dialética do tudo e do nada...

Ternura. Só pela ternura nos libertamos de nós mesmos e de toda essa precariedade que o poeta vê em Deus. Deus coxo. Deus cego. Deus surdo-mudo. Deus menino. Deus morto. Deus crucificado. A simbologia é transfigurante. E propõe um sentido cósmico de libertação, mais que ética, ontológica, na linha do ser, muito mais do que na do agir. Só a ternura, a compaixão, um sentimento simples e vigoroso, que é mais do que a piedade, é singelamente a simpatia, no forte sentido original, de sofrer com, desvairada ternura da cruz e der todas as crucificações que ao longo do tempo se sucedem, como uma resposta silenciosa.

Há desafio, há um quê de dionisíaco, nos poemas contidos, concentrados, de uma sobriedade inesquecível, com que Franklin Jorge, na plenitude da sua juventude solidária e solitária, se afirma como um grande valor da poesia de sua geração, que é uma geração solicitada pelos mais contraditórios apelos absorventes. Loucura, ternura.
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