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terça-feira, 11 de setembro de 2012

Aírton Monte: Além do Nevoeiro (Dimas Macedo)



 (Airton Monte)

             Quando certo curador das letras cearenses – curador de sonhos e de projetos irrealizados – se propôs a editar um livro de crônicas de Airton Monte, ficou acertado entre eles que eu faria a apresentação do volume. Não sei para que serve um ajuste dessa natureza nem, muito menos, o que vou escrever como intróito desse conjunto de escritos.
             
               A vida de escritor é assim: quanto mais precisamos de um texto, mais ele foge e se esconde: além, muito Além do Nevoeiro, pois é ali que ele se reproduz e se diverte. E assim sendo, nada me resta a fazer senão silenciar.
               Mas se o dizer a expressão menor for a solidão assim somente do jeito que se quer, claro que a escritura que vem do coração é o sentir maior. Sei que Aírton Monte talvez não pense assim, pois certa feita disse para mim: “Morrer, jamais, poeta, pois só nos cabe amar. E o que não foi será. E quando a dor vier para matar, ressurgiremos da dor e faremos, então, plural a nossa voz”.
             Pois é, caro leitor, o espírito que provém das asas do condor, que voa no algeroz, ergueu a sua voz e sobre a minha mão pousou a sua mão. E assim vai me guiando as letras de marfim (da apresentação) como escudeiro: “Além do Nevoeiro – diz ele – existe o amanhã, e já me és, poeta, a presa mais fiel”.
              Eu penso, então, que o céu um dia há de cair. Mas me convenço, depois, que devo prosseguir – vejo uma luz surgir na cerração: “A crônica é a canção, poeta, a dor do existir, que vem do povo. Diga ao Aírton de novo: eu sou o corvo de Poe que ajuda a vocês dois”.
              Pensei, por fim, que corvo mais atroz: mudou a minha voz interior, guiou a minha mão, me fez sentir no coração a chama do amor que um dia há de surgir. Que corvo mais faquir esse corvo de Poe. Que corvo mais veloz, e que dilema: eu tenho a morte por tema e a canção da morte é o que seduz.
               E bem assim, eu sei, é a alma do leitor, que já não tem aspiração maior que derrotar o mal que se alojou na imaginação dos donos do poder: viver ou não viver talvez seja a questão.
               A globalização, o audiovisual, a violência plural e a insânia, a falta de sorriso, a falta de visão do paraíso e a violação de tudo que a vida nos legou: o jogo do amor, a sedução, as rosas no pomar e as alianças de fogo do saber, a liberdade de ir e de ficar, as opções também de caminhar pela cidade e de sentir a claridade de um corvo sedutor.
                Esse é o corvo, talvez, que Poe nos quer mandar. Um corvo agrimensor, que saiba mais que nós partir o pão. Que saiba mais que nós que as linhas de uma mão e uns olhos de mulher são coisas mais que mais que tudo que há de vir.
Quanto ao Airton e a mim, não há o que somar: a dor de lapidar o texto com a mão, a dor de caminhar nas bordas de um tinteiro, pois Além do Nevoeiro existe a cerração: a vida e seus malogros. Existem os bólidos de fogo do poder. E a letra do texto que reluz. E a luz, Além do Nevoeiro, é só escuridão.

(Além do Nevoeiro, livro de crônicas de Aírton Monte (inédito). Fortaleza, 2002. A divulgação deste texto é um tributo à sua memória.)

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