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terça-feira, 15 de outubro de 2013

Crônicas de Nilto Maciel (Batista de Lima)




Nilto Maciel conseguiu a imortalidade literária sem se filiar a nenhuma academia. Com duas dezenas de livros publicados, transita com desenvoltura através de variadas gerações como líder intelectual de cronistas, contistas, poetas e pseudos. Disputa essa liderança com o contista Pedro Salgueiro numa concorrência que já os levou, em algumas ocasiões, a vias de fato. Entre as novas gerações, o contista de Tamboril leva certa vantagem, mas no cômputo geral o narrador de Palma leva a melhor, porque as gerações lhe batem continência desde os Oiteiros.
          Nilto Maciel acaba de lançar “Como me tornei imortal – crônicas da vida literária”. A editora Armazém da Cultura, com projeto gráfico de Suzana Paz, apresentou um livro bonito e prático para ser transportado, tamanho de bolso. Das 32 crônicas editadas, 28 são perfis de escritores cearenses entre consagrados e novatos. Sua análise de cada personalidade é um mergulho no caráter de cada um, mostrando virtudes e fraquezas que os caracterizam. O que sobressai é o humor com que ele mostra as situações mais inusitadas acontecidas nos primeiros contatos mantidos com seus amigos retratados.
O primeiro de quem trata é o “Mestre Moreira Campos”, com quem esteve apenas duas vezes e que afirma ter o mesmo publicado 137 contos. Quando elaborei minha dissertação de mestrado na UFC, encontrei na sua obra 138 contos, com os quais trabalhei e defendi meu trabalho em 1993. Um ano depois ele faleceu e nesse período após minha pesquisa e mesmo no auge de sua doença, ele ainda escreveu mais dois contos, inclusive o antológico “A gota delirante”. Daí que o total de seus contos chega a 140 narrativas.
Logo em seguida vem Francisco Carvalho de quem ele fala ainda com o espanto que se lhe apoderou por ocasião de seus primeiros contatos. Com o seguinte, Alcides Pinto, Nilto Maciel escreve que o menestrel do Acaraú “sempre se mostrou muito acessível. Nunca pareceu arrogante. Dava-se bem com jovens e velhos. Com “marginais e “acadêmicos”. Ainda cita algumas excentricidades do poeta, como o período em que passou travestido de franciscano, pagando promessa, e o fato de largar emprego público para se dedicar à literatura. Já com Caio Porfírio Carneiro, ele assevera sua arte de “pintar a alma dos homens perdidos em si mesmos”.
Quanto a Sânzio de Azevedo, ele o considera acertadamente uma enciclopédia da Literatura Cearense. Em “Gilmar de Carvalho: Singular e Plural”, há singularidades que tornam o autor de “Parabélum” um mito entre os que fazem literatura e comunicação. Delas podemos citar sua ojeriza “a greis, clãs e famílias literárias”. Carlos Emílio Correia Lima é outro excêntrico e prolixo narrador pós-apocalíptico desde os tempos pré-Saco. Airton Monte é transgressão e travessura na arte de narrar desde “O grande pânico”.
Depois desses, há os casos de “Adriano Espínola e a beleza das arraias no céu”, e Floriano Martins ressuscitando botocudos e astecas. Nirton Venâncio, de Brasília, sonha voltar para Fortaleza e Márcio Catunda se divide entre o Itamarati e os poemas. Cândido Rolim tenta habitar uma pedra, feito um arauto persistente. O lavrense Dimas Macedo é procurador e professor por seis meses, racional e positivista. Os outros seis meses do ano, poeta dionisíaco, se lança nos braços da musa e termina parindo formosuras poéticas.
Há casos bem particulares entre as crônicas de Nilto Maciel. O principal deles é Pedro Salgueiro. Esse excelente contista arregimenta toda uma nova geração de escritores e os põe diante de Nilto Maciel, que feito um morubixaba de Palma instrui e orienta os novos valores. Daí aparecem o Poeta de Meia-Tigela e Carmélia Aragão como melhores frutos dessa última safra. Além desses ainda surgem nesse elenco de perfilados por Nilto Maciel, Soares Feitosa e Tércia  Montenegro.
Ao final da leitura desse livro ainda é possível um encontro com Soares Feitosa com seu Jornal de Poesia, Jorge Pinheiro com sua picardia literária, Dimas Carvalho escavando o fantástico na ribeira do Acaraú, o surpreendente Carlos Nóbrega, Manoel Bulcão, Felipe Barroso, a alegria de Raimundo Neto, as brumas de Luciano Bonfim e a elegância narrativa e poética de Clauder Arcanjo. Assim, termina-se essa reunião literária com o que há de mais atuante na cena cearense da arte de escrever. Nilto Maciel consegue em um só contexto diferentes tendências dentro de uma mesma pulsação. Esse milagre só é conseguido pelos verdadeiros líderes, aqueles que atraem para si o afeto de muitos. Nilto Maciel consegue esse difícil milagre.     
(Diário do Nordeste, Caderno 3, em 8/10/2013)

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