Nilto
Maciel conseguiu a imortalidade literária sem se filiar a nenhuma academia. Com
duas dezenas de livros publicados, transita com desenvoltura através de
variadas gerações como líder intelectual de cronistas, contistas, poetas e
pseudos. Disputa essa liderança com o contista Pedro Salgueiro numa
concorrência que já os levou, em algumas ocasiões, a vias de fato. Entre as
novas gerações, o contista de Tamboril leva certa vantagem, mas no cômputo
geral o narrador de Palma leva a melhor, porque as gerações lhe batem
continência desde os Oiteiros.
Nilto
Maciel acaba de lançar “Como me tornei imortal – crônicas da vida literária”. A
editora Armazém da Cultura, com projeto gráfico de Suzana Paz, apresentou um
livro bonito e prático para ser transportado, tamanho de bolso. Das 32 crônicas
editadas, 28 são perfis de escritores cearenses entre consagrados e novatos.
Sua análise de cada personalidade é um mergulho no caráter de cada um,
mostrando virtudes e fraquezas que os caracterizam. O que sobressai é o humor
com que ele mostra as situações mais inusitadas acontecidas nos primeiros
contatos mantidos com seus amigos retratados.
O
primeiro de quem trata é o “Mestre Moreira Campos”, com quem esteve apenas duas
vezes e que afirma ter o mesmo publicado 137 contos. Quando elaborei minha
dissertação de mestrado na UFC, encontrei na sua obra 138 contos, com os quais
trabalhei e defendi meu trabalho em 1993. Um ano depois ele faleceu e nesse
período após minha pesquisa e mesmo no auge de sua doença, ele ainda escreveu
mais dois contos, inclusive o antológico “A gota delirante”. Daí que o total de
seus contos chega a 140 narrativas.
Logo
em seguida vem Francisco Carvalho de quem ele fala ainda com o espanto que se
lhe apoderou por ocasião de seus primeiros contatos. Com o seguinte, Alcides
Pinto, Nilto Maciel escreve que o menestrel do Acaraú “sempre se mostrou muito
acessível. Nunca pareceu arrogante. Dava-se bem com jovens e velhos. Com
“marginais e “acadêmicos”. Ainda cita algumas excentricidades do poeta, como o
período em que passou travestido de franciscano, pagando promessa, e o fato de
largar emprego público para se dedicar à literatura. Já com Caio Porfírio
Carneiro, ele assevera sua arte de “pintar a alma dos homens perdidos em si
mesmos”.
Quanto
a Sânzio de Azevedo, ele o considera acertadamente uma enciclopédia da
Literatura Cearense. Em “Gilmar de Carvalho: Singular e Plural”, há
singularidades que tornam o autor de “Parabélum” um mito entre os que fazem
literatura e comunicação. Delas podemos citar sua ojeriza “a greis, clãs e
famílias literárias”. Carlos Emílio Correia Lima é outro excêntrico e prolixo
narrador pós-apocalíptico desde os tempos pré-Saco. Airton Monte é transgressão
e travessura na arte de narrar desde “O grande pânico”.
Depois
desses, há os casos de “Adriano Espínola e a beleza das arraias no céu”, e
Floriano Martins ressuscitando botocudos e astecas. Nirton Venâncio, de
Brasília, sonha voltar para Fortaleza e Márcio Catunda se divide entre o
Itamarati e os poemas. Cândido Rolim tenta habitar uma pedra, feito um arauto
persistente. O lavrense Dimas Macedo é procurador e professor por seis meses,
racional e positivista. Os outros seis meses do ano, poeta dionisíaco, se lança
nos braços da musa e termina parindo formosuras poéticas.
Há
casos bem particulares entre as crônicas de Nilto Maciel. O principal deles é
Pedro Salgueiro. Esse excelente contista arregimenta toda uma nova geração de
escritores e os põe diante de Nilto Maciel, que feito um morubixaba de Palma
instrui e orienta os novos valores. Daí aparecem o Poeta de Meia-Tigela e
Carmélia Aragão como melhores frutos dessa última safra. Além desses ainda
surgem nesse elenco de perfilados por Nilto Maciel, Soares Feitosa e Tércia Montenegro.
Ao
final da leitura desse livro ainda é possível um encontro com Soares Feitosa
com seu Jornal de Poesia, Jorge Pinheiro com sua picardia literária, Dimas
Carvalho escavando o fantástico na ribeira do Acaraú, o surpreendente Carlos
Nóbrega, Manoel Bulcão, Felipe Barroso, a alegria de Raimundo Neto, as brumas
de Luciano Bonfim e a elegância narrativa e poética de Clauder Arcanjo. Assim,
termina-se essa reunião literária com o que há de mais atuante na cena cearense
da arte de escrever. Nilto Maciel consegue em um só contexto diferentes
tendências dentro de uma mesma pulsação. Esse milagre só é conseguido pelos
verdadeiros líderes, aqueles que atraem para si o afeto de muitos. Nilto Maciel
consegue esse difícil milagre.
(Diário do Nordeste, Caderno 3, em
8/10/2013)
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