O menino atirou à distância o pião e puxou o cordão. O objeto alcançou o chão, com violência, e se pôs a girar. E tão velozmente girava, que Us imaginou estar ele parado. No entanto fazia voltas no chão, num movimento de translação ao redor de um ponto imaginário.
Aos poucos, o giro se fazia mais lento e Us pôde perceber o movimento de rotação do pião.
Mais alguns giros, e o objeto perdeu o equilíbrio. Entrou em desordem, rolou deitado e foi repousar longe do lugar onde originalmente caíra.
O menino atirou-se em busca do brinquedo. Certamente enrolaria de novo o cordão ao redor do pião e reiniciaria a brincadeira. Us, porém, não esperou o novo espetáculo. Devia se sentir satisfeito. E correu para casa.
O menino atirou-se em busca do brinquedo. Certamente enrolaria de novo o cordão ao redor do pião e reiniciaria a brincadeira. Us, porém, não esperou o novo espetáculo. Devia se sentir satisfeito. E correu para casa.
– Mãe, compra um pião pra mim.
A mulher resmungou sim ou não e mudou de assunto. Fos-se o filho tomar banho. A hora do almoço não tardava. Se não se apressasse, ia chegar atrasado à escola. Us tomou banho com o pião girando em sua cabeça. Duran-te o almoço falou do brinquedo. A caminho da escola repetiu o pedido à mãe.
Mal teve início a aula, a professora chamou a atenção de Us. Deixasse a conversa para a hora do recreio. Ele falava a um amiguinho sobre o pião que iria ganhar.
Para sua mãe, no entanto, aquilo parecia muito perigoso. Mas ele não via perigos, só via piões. E sonhava esquisitices. Um mundo de piões. Todos girando. Nas calçadas, nas ruas, nos telhados, nos ares. A Lua, um pião enorme e lindo. As estrelas, piões do céu, brinquedos dos anjos.
E se a Terra também fosse um pião gigante a rodopiar no espaço? Brinquedo de Deus, aquele ser poderoso das aulas de religião e das missas de domingo.
Mas como os sonhos durassem pouco, durante o dia Us não se continha e fugia de casa para o país dos rodopios. Esquecia-se do tempo, dos estudos, da mãe. Aprendia a soltar piões. Olhos atentos às mãos dos outros meninos. Daqueles felizardos. E pedia, humílimo, para ao menos enrolar o cordão. Negavam-lhe esse favor, essa caridade. Comprasse ou mandasse fazer um pião.
Ora, a mãe jamais lhe daria dinheiro para comprar tão perigoso brinquedo. De qualquer forma, iria ao carpinteiro. Talvez não custasse tanto um pequeno pião. Não custou nada. O carpinteiro com certeza se apiedou do pobre Us.
E toda a felicidade humana se incorporou ao menino. Tão feliz se sentia, que não carecia de platéia nem de elenco para seu espetáculo. Só de palco, do pião e de si mesmo. E se isolava nos becos, nas pontas de rua, nos terrenos baldios.
Havia, porém, um espectador oculto a ver todo o seu sonho rodar no chão. Um velho escultor. Entalhava uma estátua de Deus-homem, e só lhe faltava o coração. Aquele pião talvez ser-visse.
O menino se assustou e agarrou o brinquedo. Não, não venderia nem daria seu pião. Custara-lhe caro. O homem sorriu. Via mentira nos olhos de Us. Contasse a verdade. Ele também tinha sua via-crucis para contar.
Fizeram-se amigos. E o pião de Us acabou incrustado no peito do Deus do velho escultor.
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