Visão abrangente de todo este leque humano, síntese, por isso, surge o conto dialético de Emanuel Medeiros Vieira. Não é burguês o personagem, nem o é proletário. O homem apenas no meio do redemoinho da grande festa capitalista. O que olha o carnaval, o festim, a orgia, e morre de pasmo. Personagem de folhetim, decadente, macabro herói a carregar às mãos o coração despedaçado. Homem médio, pequeno-burguês infeliz.
A dialética é: na sociedade de consumo tanto são criminosos aqueles que nada têm, como os que, embora tendo, pelo menos algumas moedas, se omitem de participar da “felicidade” ofertada nas vitrines e nos anúncios. E a punição tanto pode ser uma espécie de ostracismo como a internação em hospício, em prisão ou a morte. É dever de todo cidadão comprar automóveis, assistir à televisão, ir aos estádios, acompanhar as modas, freqüentar os supermercados, competir, “ser feliz”, enfim. É uma lei. Os que não a cumprem, ou a ferem, devem ser internados em centros de readaptação ou punidos de forma mais drástica. É preciso retirá-los do lodo, primeiro mostrando-lhes que a felicidade está nas vitrines coloridas e indicando-lhes o bom caminho da regeneração, longe do “álcool, do irracionalismo e da improvisação”. Se não aceitam os conselhos ou se são imunes à máquina publicitária, então é preciso puni-los. Caso resistam, fogo neles, como se faz comumente aos “perigosos bandidos” e como se fez aos Lampiões e, num passado mais distante, aos índios rebelados contra a nova ordem branca. É preciso pôr em prática os esquadrões da morte para os mais recalcitrantes, para os que jamais seriam readaptados, tal como se fazia nos tempos do nazismo. Porque tais indivíduos são marginais, doentes, infelizes, perigosos, bandidos. Alguns são favelados ou mendigos, que andam enfeando a cidade. Outros são vagabundos, alcoólatras, andarilhos. Esta é a denúncia que faz, de saída, Teu Coração Despedaçado em Folhetins.
Feita a denúncia (peça inicial do processo), vai aparecendo a nudez dos acusados, suas vidas sujas são expostas à visitação pública. O processo se tumultua, logicamente, porque são textos independentes entre si. Fosse um romance, o leitor esperaria, talvez, um enredo, uma história em que os personagens se afundassem em crises de angústia e desespero e, por fim, se suicidassem. No entanto, os personagens, como se fantasiados com máscaras idênticas, se mostram todos feridos, chagados, bêbados, desesperados, suicidas, perseguidos, atormentados. Um deles é o pai, no conto “Um Homem Velho, Feio e Bêbado”, que morre “babando, cuspindo, lutando”, após ter abandonado a família e resvalado para o alcoolismo. É preciso, então, interná-lo como louco. Não pode viver entre as pessoas “felizes” que compram automóveis. É um ser perigoso, um contaminador.
A morte desesperada é um dos pilares em que se assenta a prosa de Emanuel Medeiros. Os personagens ou estão morrendo ou morreram. Trazem a morte estampada na cara e uma angústia represada dentro do peito. Um dia, porém, tudo explode. É o fim. Antes disso, constatam que tudo está perdido, como o homem no conto “Pai”. Para desespero dos que ficaram, dos descendentes, dos continuadores dessa angústia. Antes do fim, se embriagam constantemente, se degradam, se prostituem, se trancafiam nas solidões dos quartos infectos e saem pelas ruas à procura de prostitutas a quem possam apertar o pescoço. Ou saem pelo mundo grande, como andarilhos ou perseguidos. Nesta fuga nada encontram, a não ser o mesmo ciclo de horror e desespero, como George Deladre. A vida é, assim, um mero folhetim: “E muitos cigarros e muito álcool e também dor: folhetim”.
Novela policial, de amor? O rótulo não importa. Love Story Paulistana, de Emanuel Medeiros Vieira, é uma historinha amarga, cruel. O policial está em quase todo o curso da ação, na briga entre dois bandos, que acaba envolvendo todos os demais personagens. Tudo coisa corriqueira, sobretudo nas grandes cidades. O personagem-narrador, um “pobre repórter” de 26 anos, ainda cheio de virtudes provincianas, apaixona-se por uma jovem de um desses grupos de bandidos e narra essa paixão. Como repórter, escreve numa linguagem rasteira, pontilhada de gírias. Vez por outra, uma frase bonita, frisada, repetida. Consciente do incômodo causado aos próprios ouvidos, o narrador escreve com ira.
O tema é atraente: uma jovem universitária envolvida com bandidos. Entretanto, o novelista preferiu não a figura de Milena, mas a solidão, a pieguice, a ingenuidade, a insegurança de Marcos, o repórter. Preferiu o tratamento na primeira pessoa, entregando a palavra ao personagem menos atraente do drama.
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