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sábado, 18 de março de 2006

O massacre dos Waimiri Atroari (Nilto Maciel)



Num livro escrito no início da segunda metade do século XIX – Esboço Histórico sobre a Província do Ceará –, Pedro Théberge constatava: “Todas elas (as tribos indígenas que habitavam o Ceará) desapareceram completamente, ou pela perseguição dos invasores, ou pelos efeitos de nossa civilização que não convinha á sua natureza, ou enfim pelas moléstias epidêmicas que lhes trouxemos da Europa, como a bexiga, o sarampo e outras que os dizimou repetidas vezes.”

Théberge teve contestadas as suas principais afirmações, justamente pelo autor das notas de pé de página da 2ª edição de sua obra, Mozart Soriano Aderaldo. 

Trecho do livro de Théberge: “Em 1708, desesperados de se verem lançar fora das terras que ocupavam, quando não se queriam recolher às aldeias, principiaram (os índios) a rebelar-se contra os colonos que massacravam em grande número.”

Nota n.º XIX, de Soriano: “Eis a razão dos “massacres” condenados pelo Dr. Pedro Théberge.”

O autor do Esboço Histórico tinha plena consciência de que seu livro não iria agradar a muita gente, como se pode observar em seu proêmio: “Tenho sofrido renhida guerra de pessoas que como personagens públicos hão praticado ações que não quereriam ver publicadas em tempo algum.”

No último quartel do século XX, José Porfírio de Carvalho publicou o livro Waimiri Atroari – a História que ainda não foi contada.

A mesma guerra deverá sofrer Porfírio Carvalho, quer da parte de historiadores do tipo de Mozart Soriano, quer da parte dos personagens públicos por ele citados em seu livro ou, embora não mencionados, responsáveis direta ou indiretamente pelo massacre dos Waimiri e outras tribos. A história se repetirá, como se vem repetindo para os pobres primeiros povoadores do Brasil e da América. Os ideólogos da burguesia repetirão suas arengas, enfurecidos. Os personagens burgueses da tragédia brasileira tentarão calar esse novo Pedro Théberge.

O livro de Porfírio Carvalho ideologicamente nada tem de novo. Segue a esteira das obras de outros defensores dos oprimidos e humilhados índios. Constitui-se de relatos históricos, depoimentos pessoais, narrativas de fatos, sem qualquer pretensão literária, em linguagem fácil e até mesmo descuidada, a ponto de repetir-se, certamente por inadvertência.

Apesar dos defeitos de forma, Waimiri Atroari é livro rico de informações, verdadeira história daqueles habitantes amazônicos. Além disso, vale como mais uma denúncia do crime de lesa-humanidade que se vem praticando contra os índios brasileiros, especialmente os Waimiri Atroari. O autor dá nomes aos bois, mostra as causas econômicas e sociais do genocídio, tudo documentado.

Não se trata de ensaio sociológico ou político, porém uma das acusações contidas no livro pode ser assim resumida: os criminosos de hoje são apenas os herdeiros dos assassinos de ontem. Quer dizer, os Waimiri Atroari, assim como os outros povos indígenas, foram e estão sendo destruídos não porque o capitalismo descobriu a Amazônia, não porque os grandes empresários, as multinacionais decidiram explorar o solo inóspito da Amazônia, mas porque para a burguesia nenhum homem, nenhum povo vale mais do que o lucro, o capital. Assim aconteceu na era das descobertas e da colonização. Isto, no entanto, o autor não analisa, até porque não faz análise.
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