Os cinco despertaram ao mesmo tempo. Parecia-lhes que ressuscitavam. Em volta, só escombros, podridão, desolação. Olharam-se, curiosos, o pavor grudado nas caras, quais máscaras mal pintadas. Calados, puseram-se a mexer dedo após dedo. A seguir, toda a mão, desconfiados do milagre da sobrevivência. Pouco a pouco, foram se erguendo, feito lázaros de um imenso cemitério. E caminharam entre os mortos. Gemiam, surdos. Olharam-se, gemebundos. Iam, semimortos. Ais e mais ais. Lamentosos.
Súbito, um deles correu. E todos o seguiram, a berrar e gargalhar.
Não, não podiam correr sempre. Urgia parar, pensar.
O mais idoso, marido da gorda e pai dos outros, pediu silêncio.
– Vim de pensar sobre nós, o nosso problema fundamental. E cheguei a uma conclusão: estou velho, não tenho mais futuro. E vocês, meus filhos? O que será de vocês?
O rapaz voltou a se entristecer. Dirigiu-se ao pai e o abraçou.
– Pai, meu único amparo é você. Me compreenda, me ajude, me salve do desespero.
A velha, irritada, levantou o braço, como para discursar:
– Eu também não tenho futuro, sou uma defunta, como estes aí jogados ao chão. Mas quero viver por vocês, meus filhos, e principalmente por você – e, chorando, abraçou-se à garotinha.
A moça parecia sonhar. Olhava para o céu, como se esperasse um salvador, o príncipe encantado da adolescência recém-finda. A menina vasculhava o chão, à cata de brinquedos soterrados.
O velho coçou a cabeça, franziu a testa e exigiu o fim das lamentações. Era preciso pensar rápido, tomar decisões urgentes. Do contrário, viveria seus últimos dias a lamentar a catástrofe.
– Vamos, estão esperando por quem? Não há mais ninguém, podem crer. Somos só nós neste mundão. E é necessário pensar na perpetuação da espécie. Ou vocês são tão egoístas assim? Além do mais, afora eu e a velha, vocês não viveram quase nada ainda.
Calou-se, à espera da reação da família. Queria opiniões, atitudes positivas. E, como todos permanecessem mudos e cabisbaixos, chamou a filha moça, beijou-a na face e sentou-a junto a si.
– O que é isso, velho safado? – atalhou a velha.
– Compreenda, você já passou da menopausa. Não podemos deixar que a espécie se extinga.
E beijou novamente a filha, como se tivesse resolvido o problema.
– Mas não pode ser assim. Você é o pai dela e isso é pecado, crime. Ou degenerou de vez?
Puseram-se a discutir os dois velhos, ele se dizendo preocupado com o destino da espécie, ela apegada à moral, à religião, à lei.
– Nada disso existe mais, a partir de agora e até que a família se torne tribo ou nação. Ou você pensa que vai surgir um Deus e nos trazer uma Eva ou um Adão?
O rapaz pôs-se a choramingar. Deixassem de discussões, chegassem a um acordo.
– E o que vai ser de minha filhinha no meio dessa imoralidade toda? – gritou a velha, enlaçando a menina.
– Tenho pena dela – disse o rapaz. – Se houvesse mais dois meninos, pelo menos?
A moça desvencilhou-se do pai, que a beijava e apalpava-lhe os seios.
– Não quero, não quero. Prefiro morrer só.
– E seu irmão e sua irmãzinha? Você não pensa neles? Deixe de ser tão egoísta – irritou-se o velho.
– Ora, meu irmão não...
– Como me faz falta um amiguinho – defendeu-se o rapaz.
– Além do mais, a menina precisará de um companheiro, embora muito mais novo do que ela – argumentou o pai.
– Velho tarado? Primeiro quer a filha moça, depois que a menina vá pecar com o irmão por nascer. Não acha isso demais?
– Então vamos morrer todos solitários, masturbando-se e enlouquecendo? Você não – e apontou para a mulher – que já não pensa em nada.
– Papai tem razão – dizia o rapaz.
De repente a moça parou de chorar. Aceitava o pai como marido, contanto que deixassem em paz a irmãzinha, enquanto criança.
O velho bateu palmas e, aos risos e gritos, correu para abraçar a filha.
– Esperem aí – bradou o rapaz – só aceito isso se ele me quiser também. Caso contrário, sou capaz de tomar uma atitude violenta.
– Contra quem? – quis saber o velho.
– Você.
– Pior para você, meu jovem.
A velha pedia calma, abraçada ao filho. Não se precipitasse. Não cometesse um crime maior, matando o próprio pai.
– Você era tão católico, tão pacífico, tão direito!
– Realmente, seria um crime horroroso. Mas não vou morrer sozinho.
– Que quer dizer você?
– Que prefiro matar minha irmã.
A moça pôs-se a gritar, como se estivesse sendo torturada, e refugiou-se nos braços do pai, pálida e trêmula, derretendo-se em lágrimas.
– Calma, minha filha, ele não fará nada com você. Prometo satisfazer todos os desejos dele.
A velha irritou-se com o desfecho da controvérsia, amaldiçoou os três e abraçou a filha menor.
Ao largo, o velho e os dois jovens se puseram a confabular.
– Você deve se sentir orgulhosa de seu papel – dizia. – Veja, você é a única pessoa no mundo capaz de fazer continuar a obra de todos os nossos antepassados. Ficará na História mais do que como um mito e um símbolo. Você será a mulher que salvou a espécie humana da extinção.
Mais tarde, embora a velha não parasse de amaldiçoá-los, os três trataram de escolher o local que serviria de abrigo para a futura tribo e convocaram a menina para uma reunião especial. Iriam comunicar-lhe o nascer do novo mundo, da nova ordem, da nova moral, da nova lei.
– Se não for assim, você será a única a sofrer. Ficará só no mundo, até a morte – explicou-lhe o pai.
Brevemente nasceria um menino, seu irmão e sobrinho, com quem ela haveria de se casar um dia.
– E se só nascerem meninas? – quis saber a garota.
Todos riram de sua inteligência. E, mais do que rir, o velho esfregou as mãos, cheio de contentamento.
/////