Estive com Moreira Campos em duas ocasiões, apenas. Apesar disso, desde antes do primeiro encontro já sentia por ele grande amizade e, acredito, ele me dedicava o mesmo sentimento.
Não lembro quando o li pela primeira vez. Possivelmente por volta de 1964, quando passei a ler suplementos literários de jornais de Fortaleza. Nesse tempo pontificavam nas Letras cearenses os nomes de Artur Eduardo Benevides, Braga Montenegro, Eduardo Campos, Francisco Carvalho, Fran Martins, Jáder de Carvalho, João Clímaco Bezerra, Milton Dias e outros. O nosso Moreira Campos estreara em livro, com o elogiadíssimo Vidas Marginais, em 1949. Contava 35 anos de idade. Não tinha nenhuma pressa em se mostrar ao público e à crítica. Escrevia e reescrevia, como outro ilustre contista, o mineiro Murilo Rubião. E ao final de sua longa vida havia publicado apenas 137 contos.
Até 1964, Moreira Campos havia publicado apenas três livros, porém já figurava como um dos melhores contistas cearenses. Na apresentação de Uma Antologia do Conto Cearense, de 1965, Braga Montenegro dizia: “Os contistas de maior renome do atual momento da literatura do Ceará são Eduardo Campos e Moreira Campos.”
Somente em 1978 adquiri e li Os Doze Parafusos e Contos Escolhidos. Anos depois, quando já nos correspondíamos, ele me ofertou outra seleção de seus contos, intitulada Dizem que os Cães Vêem Coisas. E é de maneira carinhosa que afirma a sua amizade por mim: “Para Nilto Maciel, mestre do mesmo ofício, com a velha admiração e o abraço fraterno do Moreira Campos. Fortaleza, 6/XII/87." Pode parecer cabotinismo de minha parte o transcrever essas palavras. Porém minha intenção é tão-somente falar dessa amizade dele por mim. Pois apenas uma grande amizade faria um mestre tratar assim um aprendiz.
Na verdade, ainda não nos conhecíamos pessoalmente, embora mantivéssemos correspondência há algum tempo. Em 1982 enviei-lhe carta e exemplar de um de meus livros. É de 12/12/82 a sua primeira carta, que assim começa: “Recebi A Guerra da Donzela, que li numa tarde, entusiasmado com a sua linguagem, e estrutura, suprarealista. Já o conhecia de Tempos de Mula Preta...” Não transcrevo a carta toda, porque aqui não quero falar de mim, mas dele.
Noutra missiva, de 11/2/83, ele anuncia uma viagem ao Rio, a São Paulo e a Brasília, “onde gostaria muito de encontrar-me com você.” E dias depois ele me visitou. Apresentou-se, embora já conhecesse de fotografias o seu rosto. Falou-me da viagem e de livros. Foram apenas alguns minutos de conversa.
Voltamos às correspondências alguns anos depois. E não sei explicar o motivo desse silêncio tão prolongado. Em 6/3/87 acusou o recebimento do meu Punhalzinho Cravado de Ódio. Comentou-o, elogiou-o. E anunciou a próxima edição do seu Dizem que os Cães Vêem Coisas. É de 16/7/87 outra carta. Refere-se ao meu Estaca Zero.
Outro período de silêncio, e somente em 1992 voltou a me escrever. Desta vez para opinar sobre o tema “Ler ou não ler”, para a edição nº 3 da revista Literatura. E lá está seu desabafo: “Sou hoje um desiludido com a literatura, embora a minha crença no seu valor perene.” E não poderia ser outro o seu sentimento, pois, sendo um contista maravilhoso, nenhuma grande editora se interessava pela publicação de sua obra.
A segunda vez em que nos vimos foi no dia da morte de meu pai, em 10/1/88. E mais uma vez ficava demonstrada a sua amizade por mim. Não quero me queixar de outros amigos, por não terem comparecido ao velório e sepultamento de meu genitor. Quero tão-somente lembrar o gesto amável de Moreira Campos. E a sua preocupação em me consolar.
Outra grande virtude dele era a modéstia. Pois, apesar de citado e estudado em diversos livros; apesar de traduzido para o alemão, o inglês, o francês, o italiano e o hebraico; apesar de ser um dos melhores contistas brasileiros do século XX; apesar disso tudo, não buscava elogios e tratava os mais novos como seus companheiros de ofício. Não se julgava mestre e não chamava os mais novos de aprendizes. Como se estivesse ele mesmo em contínuo aprendizado, lendo as novidades, comentando livros novos, sem nunca deixar de lembrar os grandes mentores do conto.
Sua última carta a mim é de 10/3/93. Nela anuncia a publicação de um livro seu de contos pela editora Siciliano. A seguir veio a doença. Amigos me falavam de seu estado de saúde. E das homenagens que a ele se preparavam no Ceará, por ocasião de seu 80º aniversário. Como a edição da dissertação acadêmica Moreira Campos, a Escritura da Ordem e da Desordem, do professor José Batista de Lima.
Em 7/5/94 José Maria Moreira Campos nos deixou.
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