Zadik Perez odiava Sancho Peretz, desde muitos anos. Ódio mudo, fermentado entre quatro paredes, espumoso, envelhecido a rolha.
Num dia de sol quente, ouviram-se os primeiros resmungos, rangeres de dentes, curtos insultos. E as faíscas dos quatro olhos queimaram alguns curiosos. Nem anoiteceu e toda redondeza dos odientos sabia do pretérito e do presente deles, e até o futuro contava.
Daí por diante a lenda virou odisséia e mil e uma histórias se enlearam. Os pais de Perez e Peretz se haviam estraçalhado em briga de foice, seus avós comandaram exércitos que se destruíram, seus bisavós arregimentaram bandos, seus mais antigos ancestrais se envolveram em saques, tocaias, covardias, brutos moradores de cavernas, mandíbulas de ferro, garras de gavião, patas cabeludas, grunhidos ferozes, parentes de macacos.
A fama de Zadik e Sancho alcançou longínquas regiões, terras de pastores de feras, caçadores de ovelhas, nunca sequer faladas naquele tão perdido mundo.
Até um tal Yan, de distantes plagas, ouviu a qual novela. Dono de uma cadeia internacional de campos-santos e, nas horas de filantropia, mediador de guerras e intrigas, desceu dos céus, com seu pássaro de prata, na fronteira dos países de Perez e Peretz.
Cuidou antes de instituir no novo mundo o hábito de se enterrarem os mortos em cemitério, em vez de no próprio lugar onde as almas largavam os corpos. Fez a todos renegarem a antiga lei, chamando-os de bárbaros, em sua língua. Os mortos não podiam viver com os vivos; as águas se contaminavam; a vida cheirava a podre. Predicou e insultou, feito um missionário em danação. E o aplaudiram, reverenciaram, idolatraram. Chamaram-no de Santo Yan, beijaram-lhe os pés, sacrificaram-lhe animais.
A discórdia entre Zadik Perez e Sancho Peretz não devia prosperar. Chamou à sua tenda primeiro Perez e se nomeou juiz de um duelo. Aqui seu visitante, ali o rival deste. Discursou sobre a arte de duelar, historiou o duelo, exaltou o romantismo da disputa.
Apesar disso, Zadik não se fez áspero, nem inchou o peito nem fechou a mão. E pela primeira vez disse não ao reformador. Preferia não arriscar. Muito mais seguro seria dar morte certa a Sancho. Por trinta sacos de ouro.
Santo Yan negou-se assassino e não recusou nem aceitou a proposta de seu discípulo. Na saída, benzeu-o ternamente. E mandou chamar Sancho.
Renomeou-se juiz de um duelo, fez discurso, contou história, entusiasmou-se. E nem assim o outro largou a brandura e a covardia. Em troca da morte segura de Zadik, ofereceu trinta hectares de terra fértil.
De pronto, o reformador disse sim. Não pelas terras, que terras não lhe faltavam, mas por ver em Peretz o justo, o bom, o pacato, e em Perez o brigão, o mau, o injusto.
Abraçaram-se, e Yan saiu em busca de Zadik Perez.
Os trinta sacos de ouro reluziram aos pés do Santo, que sorriu e deu por cumprida sua parte no pacto firmado com Sancho Peretz.
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