Estive uma vez com Braga Montenegro. Se não me engano, em 1976. Logo depois, já em Brasília, recebi dele uma carta.
Nascido em 28 de fevereiro de 1907, em Maranguape, Ceará, Joaquim Braga Montenegro viveu na Amazônia durante sete anos, de 1925 a 1932. João Clímaco Bezerra anotou: “E quase menino ainda, franzino e pobre, rumou para a aventura da Amazônia, onde acabaria de crescer diante dos rios lendários e da paisagem bravia.” No entanto, os melhores anos de sua vida de escritor ele os viveu em Fortaleza, onde leu, primeiro, desordenadamente, e, depois, “com uma sistematização e um espírito seletivo dificilmente encontráveis nos autodidatas legítimos”, no dizer de Clímaco. Faleceu aos 73 anos de idade.
Como crítico 1iterário, publicou as seguintes obras: Araripe Júnior (Subsídios para um estudo), Fortaleza, separata da revista Clã, 1951; Evolução e Natureza do Conto Cearense (Estudo), Fortaleza, separata da revista Clã, 1951; José Albano (Poesia, Antologia, Apresentação Crítica, Notas, Questionário), Rio de Janeiro, AGIR (coleção “Nossos Clássicos” nº 30), 1958; Correio Retardado (Estudos de Crítica Literária), Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1966; e Correio Retardado – II (Estudos de Crítica Literária), Secretaria de Cultura, Desporto e Promoção Social do Ceará, Fortaleza, 1974. Como ficcionista, publicou Uma Chama ao Vento (Contos), Edições Aequitas, Fortaleza, 1946, e As Viagens (Novelas), Gavião Editora, Rio de Janeiro, 1960. Escreveu, ainda, Boa Esperança em Quarenta e Oito Horas (Reportagem sobre a Hidroelétrica de Boa Esperança), 1969.
Surgiu Braga Montenegro com a geração de 45. Suas novelas, reunidas sob o título de As Viagens, foram escritas, provavelmente, nos anos 1950. O volume traz alentado estudo, intitulado "Algumas Palavras Sobre a Teoria da Novela", escrito com o fim de definir as narrativas do livro como novelas. São cinco histórias que tratam temas da Amazônia. Todas elas são narradas por personagens forasteiros. A descrição do ambiente é, no entanto, perfeita, se compararmos suas novelas às de outros ficcionistas naturais ou não daquela região. Quanto à técnica, não encontrei nenhuma novidade, mesmo porque o modelo em vigor era o realismo nordestino, apesar de Braga demonstrar ter lido e relido escritores inovadores como Joyce, Gide, Conrad, Rilke, Pirandello, sobre os quais escreveu ensaios críticos de enorme valor. Seu realismo não tem semelhança com a crueza de um José Lins do Rego. Nada tem de naturalismo, embora o ambiente descrito seja o mais compatível com os fundamentos daquela escola. O homem é visto através do meio, sua brutalidade, sua rudeza, sua amplitude, sua beleza natural e apavorante. No entanto, João Clímaco tem opinião diversa desta: (...) “apesar dos anos de longo aprendizado no inferno verde, Braga Montenegro não se filiaria à corrente dos ficcionistas nordestinos perdidamente telúricos. A paisagem, nas suas histórias, se evidencia apenas para compor o ambiente, criar a atmosfera em que se movem, sofrem e amam os personagens.”
Braga Montenegro pode não ser posto ao lado dos melhores ficcionistas, porém sua habilidade no trato do vernáculo é comparável à dos grandes nomes da prosa de ficção brasileira, de Machado a Graciliano. No ensaio “A Inquieta Modernidade de Braga Montenegro”, publicado no Suplemento Literário Minas Gerais de 26 de abril de 1980, Francisco Carvalho escreveu: “Sua profunda consciência literária acabaria por transformá-lo num artesão exigente e meticuloso.” Mais adiante chama Braga Montenegro de “prosador consumado, profundo conhecedor do seu ofício e das complexas particularidades do universo semântico.” Isto não quer dizer seja ele apenas um vernaculista, tão-só um cultor do período bem construído, da frase enxuta, da palavra certa no lugar certo. Braga Montenegro é também um criador de tipos, um descritor de ambientes, um perito em tramas, um hábil contador de histórias.
Para muitos analistas da obra de Braga Montenegro, o melhor dele está nos estudos de crítica literária. Correio Retardado-II é composto de oito estudos sobre escritores brasileiros e cinco sobre estrangeiros. A primeira parte é dedicada a Iracema, de José de Alencar; Terra de Sol, de Gustavo Barroso; o contista Eduardo Campos; alguns livros de memórias; Antonio Sales; Guimarães Rosa; Graciliano Ramos; e “A Crítica e o Método”. A segunda parte traz ensaios sobre André Gide, Joseph Conrad, Rilke, Emily Bronte e Pirandello.
Braga Montenegro escreveu muito, como ele mesmo afirma: “De um acervo maior de mil folhas datilografadas, redigidas ao longo de 30 anos de uma atividade obstinadamente exercida no convívio das letras, retiramos esses dois punhados de páginas com que compomos as duas séries de nosso Correio Retardado.” Publicou pouco. Francisco Carvalho no ensaio já mencionado conclui: “Daí que, produzindo ficção ou crítica literária, a qualidade prevalecesse, necessariamente, sobre a quantidade.”
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