João Canoro passava quase todo o tempo nas ruas. Não perdia um minuto dentro de casa. Dormia, acordava e corria para a rua. Como um pássaro que fugia da gaiola. E punha-se a voar, isto é, a andar, andar, andar, até cansar. Tanto gostava de andar pelas ruas que jamais quis ser escriturário, balconista, barbeiro. Preferiu ser office-boy durante alguns anos, caixeiro viajante por mais outros, oficial de Justiça incompetente, vendedor de assinatura de todas as revistas...
Embora andasse como poucos, João nunca se julgava cansado e, mais mundo houvera, mais andara. Calculava, insatisfeito, já ter dado algumas voltas ao mundo. Queria bater recordes. Sem alardes. Modestamente.
Enquanto caminhava, João Canoro não parava de falar. Uma fala sussurrante. Quase inaudíveis palavras. Exclusivamente aos ouvidos de todas as mulheres da Terra. Curtas frases decoradas. Eternas expressões de amor. Cicios, leves gestos labiais. Mil tipos de indecências.
Às vezes, a mulher sorria, mas não passava disso. Outras, fechava a cara e fugia. Adiante a mocinha cuspia insultos. Além se fazia de surda. E tudo o satisfazia. O sorriso lhe parecia rendição certa ou apenas promessa de entrega. A fuga o excitava. O palavrão soava sonoro. A indiferença o empurrava para novas e velhas mulheres.
Quase nunca a vítima se fazia cúmplice. E quando isto ocorria, por mais bela que fosse a dama, João se calava, virava o rosto, perdia o equilíbrio e sumia no meio da multidão.
João Canoro não podia, no entanto, voltar para casa, calar-se, arranjar emprego de barbeiro, balconista, escriturário. Deus o livrasse de tão desgraçado destino. Terminaria passando a navalha no pescoço de qualquer barbudo. E adeus liberdade de ir e vir, voar pelo céu da cidade, passarinho cercado de avezinhas por todos os lados.
Para escapar às ameaças frequentes de misteriosas mulheres, havia uma saída de gênio — a ventriloquia. E João estudou, exercitou-se, fez-se hábil ventríloquo. Passava pelas mulheres, dizia-lhes suas curtas frases indecorosas, suas indecências, e permanecia tranquilo, ereto, sério, como se um só cicio tivesse dito. As moças e senhoras, no entanto, apressavam o passo, irritavam-se, voltavam-se contra pacatos e mudos senhores. E criavam-se enormes confusões de meio de rua.
Em compensação, nenhuma criatura de saia sorria mais para João Canoro. Nenhuma mais lhe cuspia insultos, nem lhe fechava a cara.
Ora, restavam o telefone e a noite. De dia trabalhava, andava, falava sem abrir a boca. De noite descansava, parava e telefonava para anônimas mulheres. Horas e horas à cata de ouvidos carentes de palavras excitantes. E escancarava a boca, para compensar os exercícios diurnos de ventriloquia.
Cortavam a ligação, diziam-lhe insultos, reagiam de mil maneiras. Umas, porém, riam, e ele gastava todo o seu repertório de frases, expressões e cicios. Até se cansar e largar o aparelho.
Uma noite, saciado, foi dormir. Roncava e sonhava palavras de lascívia. O telefone gritou, tilintou, zuniu. João pulou da cama, levou o fone ao ouvido. Uma voz de mulher. E um desfile interminável de palavrões.
Olhos arregalados de pavor, mãos trêmulas, o coração aos solavancos, o corpo inteiro em calafrios, João não disse um ai durante todo o tempo. E só sossegou quando nenhuma voz humana provinha mais do telefone.
Na noite seguinte, o fato se repetiu. E mais uma vez João tremeu, se transtornou, perdeu o sossego. Até largar o aparelho e correr em busca de água, o suor a escorrer-lhe por todo o corpo.
Nas noites subsequentes, a mesma agonia de João. Porém, mal atendia o chamado e reconhecia a voz da mulher dos palavrões, obstava a ligação. Enlouquecido, na sexta noite cortou o fio do telefone.
No outro dia, passo lento de quem perdeu o ânimo de viver, João Canoro andava pela rua feito um sonâmbulo, mudo como nunca fora, uma voz indecorosa a zunir em seus ouvidos. Apesar de tudo, sorria um leve sorriso, os olhos demasiadamente brilhantes, enquanto por ele passavam mulheres, todas belas, cândidas, excitantes.
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