São três meninos. Raquíticos, sujos, esmolambados. Talvez irmãos. Lutam entre si pela posse de restos de comida. Há bolinhos de arroz, fiapos de macarrão e carne. Pedaços de frango assado. Asas, pescoços, pés. Tudo já roído, descarnado, puro osso. Estão sentados no chão e não param de mastigar, falar, roer, rosnar.
Ao largo, pacientes, vira-latas esperam o fim do banquete. Há de sobrar algum osso. Por menor que seja. Dedos, bicos, pontas.
O jornal onde veio a comida amarrotou-se, rasgou-se. Só restam letras e fotos. Não é possível comer papel. Resta lamber. Chupar o óleo. Espremer as folhas.
Estão lambuzados os três meninos. Irreconhecíveis. Cobertos de partículas brancas, amarelas, incolores. Macarrão nos cabelos, arroz nos olhos, carne nas narinas. Catam-se uns aos outros. Nada pode se perder. Embora fartos. Barrigas inchadas, moleza nos corpos.
Do outro lado da grade de ferro, outros meninos brincam. Estão seminus. Apenas os sexos cobertos. Saltitam, pulam, riem, ao redor da piscina. São muitos, multiplicados pelo espelho da água. Todos enormes, limpos, bonitos. Talvez irmãos, amigos.
Acorrentado, um cão formoso espreita o mundo. Protege os banhistas, a piscina, o jardim, a mansão. Nenhum vira-lata transporá a grade de ferro. Nem sequer se aproximará dela. Nenhum menino sujo abocanhará seu filé. E rosna.
Assustados, os três meninos apanham os últimos ossos e correm. No seu encalço vão os cães famintos.
Guardião sossega e morde um naco de carne. Os meninos seminus caem na água.
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