A campainha soou e Inácio assustou-se. O jornal chegou a escorregar de suas mãos. Por que só inventavam torturas? Bem podiam conservar as pancadas com os nós dos dedos, as palmas, os “ôi de casa”. Civilização do terror, era o que era.
A resmungar, deixou o jornal espatifar-se no chão e arrastou-se na direção da porta. Não deu tempo, ao menos, de meter os pés nos chinelos. Melhor, talvez fosse visita indesejável, vendedor de porcarias, cobrador de dívidas. Nem devia atender. Nem sequer levantar-se do sofá. Mas a campainha voltou a berrar e Inácio apressou o passo.
— Já vai.
Aproximou-se da porta, levou a mão à maçaneta e só então se lembrou do olho mágico. Primeiro precisava saber quem o procurava àquela hora. Seguro morreu de velho. O nariz chegou a doer. Olhou, olhou com atenção. E viu, do outro lado, o homem. Não, não podia ser verdade. A não ser que o olho fosse um espelho. Ou então houvesse um espelho do outro lado da porta. Ora, o homem era a sua imagem e semelhança. Deixou-se a olhá-lo, admirá-lo, investigá-lo. O mesmo rosto, o mesmo jeito, o mesmo corpo. Afinal, devia abrir ou não a porta? E se se tratasse de uma cilada? Um mascarado?
Imaginava mil possibilidades, e o outro postado diante da porta, pensativo, paciente, persistente. Não acionou mais a campainha, porém. Até que Inácio se cansou e voltou ao sofá.
— Ora, não há olho mágico — murmurava, enquanto apanhava do chão o jornal.
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