O Autor Penetra os Labirintos de Nossa Memória Ancestral
A prosa de Nilto Maciel, cada vez mais, encaminha-se para uma estrutura, cuja elaboração vai nutrir-se dos elementos semânticos que a vida nos oferece, com seus absurdos, suas imagens, seu surrealismo e suas locações fantásticas. Uma linguagem permeada de signos, de uma certa tendência barroca, explorando com rigor estético realidades humanas não circunscritas ao universo comum, concreto, plausível, cabal. É na ultrapassagem metafísica da nossa condição que está a matéria e substância dessa escritura. Lá nos conflitos interiores, nas viagens sub-reptícias da imaginação, no além-fronteira da nossa existência retórica que Nilto Maciel constrói sua ficção, extraindo de tudo o inusitado, o conflituoso, o incomum, o mágico, o inesperado.
Quem leu As Insolentes Patas do Cão, Os Guerreiros de Monte-Mor, A Guerra da Donzela, O Cabra Que Virou Bode, Os Varões de Palma, Estaca Zero, dentre outros títulos de sua vasta e premiada bibliografia, vai encontrar um multifacetado universo. O autor penetra os labirintos de nossa memória ancestral, lá onde a infância (res)guardou histórias estranhas; situações escabrosas, casos surrealistas e outros componentes da riquíssima teia de incursões em mundos inauditos. É nesse ambiente que Nilto Maciel vai imbricar-se, para a tessitura, com muita competência, de uma série notável de contos, novelas e romances. É nos meandros de uma signagem própria, capturada no interior do Nordeste (o autor é cearense de Baturité), onde pôde viver uma experiência humana caleidoscópica, com toda sua carga de tensão, nervura e plasticidade, que NM reconstrói o imaginário psíco-social, recompondo, às vezes com uma dose de irreverência corrosiva, o roteiro de vidas e acontecimentos, que na sua transcriação alcançam um resultado estético agradável.
Nota-se na produção de Nilto Maciel uma preocupação em resgatar aquela linha narrativa de feições regionalistas, mas que se reveste de um cunho universal pelo vezo do realismo fantástico, como em José Cândido de Carvalho, de O coronel e o Lobisomem, em Gabriel Garcia-Márquez, em sua Macondo de Cem Anos de Solidão, ou em Murilo Rubião, com seu fascinante O Pirotécnico Zacarias. Um mergulho mais detido na multifária literatura do autor nos permite assinalar uma outra característica: a da investigação social, de crítica de valores e costumes, ao esboçar o ridículo, o incomum, o extravagante e a dissimulação das relações presentes na vida de seus personagens, bem ao alcance da ironia e dos rasgos filosóficos de um Machado de Assis em O Alienista ou em Dom Casmurro.
Seu último título – Babel – recém-lançado é um livro de contos, com alguns deles retrabalhados. A uma fascinante viagem nos instiga o autor. Com engenharia e arte, Nilto Maciel confirma seu fôlego, sua capacidade de criar e inovar, sem modismos, sem clichês ou mascaramentos, sem o ôba-ôba da literatura contemporânea tão diluída pela midiocracia (em que vidiotas e internéscios navegam sem cessar pelo mundo da subliteratura sem tirar proveito algum nem lição do que se escreve ou se produz por aí). Babel é uma candente narrativa, funde a tessitura ultra-burilada de textos densos com a leveza, o despojamento e a discreta irreverência de contos de extração mais diáfana. Ressalte-se que toda a linguagem do autor é sistematizada num esquema próprio – temático e conceitual – fora dos cânones tradicionais, explorando o que há de ilógico, de loucura, de sonho, de fantasmagórico, de sagrado e profano em nossos sentidos. Não há mera invenção ou jogo de palavras no exercício de Nilto Maciel. Ao resgatar do inconsciente cobras e lagartos, dores, delírios & delícias, o autor tangencia o terreno da livre imaginação para garimpar preciosidades estilísticas com talentosa versatilidade.
(Diário do Nordeste, Caderno Cultura, Fortaleza, CE, 19/10/1997, e no livro Prismas, Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho e Ed. Thesaurus, Brasília, 1997, págs. 106/108)
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