(Toulouse Lautrec)
Cautelosamente mostramos os dentes emprestados para os sorrisos programados, enquanto caminhávamos em perfeita ordem, sob o olhar do público. Cabeças erguidas e olhos enxutos, deveríamos guardar todas as emoções para o final.
Por um instante vi Emanuela nervosa e pálida na platéia. Talvez chorasse ou risse. Não sei se acenava ou dizia adeus. Nosso amor já fazia parte do passado, nossos dias, nossas noites. Desviei os olhos dela e olhei para a água. De que me servia sentir saudades, rememorar nossa vidinha cheia de mistérios e segredos, se com toda a certeza eu não voltaria vivo daquele salto? As águas seriam minhas novas companheiras dali até a morte. Eu terminaria inchado como uma fruta podre lançada ao poço, esquecido tão logo se consumasse meu fim e tão apavorada como nos meus mil sonhos intermináveis.
Nada eu conseguia entender. Por que teríamos de nadar? Que crime eu havia cometido? Por que aquele tipo de punição? Por que o público se deixava enganar, crente de estarmos competindo?
Do alto-falante uma voz não parava de gritar: esporte é cultura, natação é saúde. Os exercícios físicos desenvolvem os músculos, ajudam a circulação sangüínea, dão mais agilidade ao corpo.
A platéia olhava para nós, a mascar chicletes, fumar e beber cerveja em latinhas. Não tive mais ânimo de procurar o choro ou o riso de Emanuela e só ouvi o grito do locutor: atenção, atletas, muita atenção. Vai começar a contagem regressiva: dez, nove, oito...
Saltamos, e o gosto de sal me inundou a boca. Talvez o público batesse palmas, estivesse agitado, de pé nas arquibancadas. As águas frias, viscosas, abundantes pareciam me engolir. E eu me sentia peixe, lépido como serpente.
Pelo regulamento da competição, o último colocado não poderia sair mais da água. Não o deixariam alcançar as margens e, cansado, exausto, morreria afogado. Assim, só nos restava nadar, nadar, nadar.
À minha frente ia um rapaz; ao lado outro, homens e mulheres gementes a revolver as águas em desesperada correria. E não havia mais platéia, só as águas e os muros do canal, infindável, escuro, lodoso. No alto, os fiscais, armados, carrancudos, impassíveis, corriam de lanterna em punho. O primeiro a chegar sorria, o segundo, o terceiro. A uma braçada do ponto final olhei para trás e só avistei Geruza, minha velha amiga. Toquei o muro, e as mãos do fiscal se agarraram às minhas.
Não vi mais nada: o pavor me entregava à salvação.
E acordei sozinho nos braços de Emanuela, a perguntar por Geruza.
No outro dia brigamos sem razão: Geruza não existia. Assim mesmo teimamos.
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