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sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Carta aberta a Gumercindo Carneiro (Aníbal Albuquerque)




Barra do Garças, 3 de dezembro de 1995

Compadre Guma

Faz tempo que não escrevo ao compadre. Quando o mês de dezembro chega e os primeiros cartões de Natal, enviados por amigos de longe, começam a lembrar antigas saudades, constatamos nosso débito em correspondência. Aproveito o domingo para ir saldando minha dívida com todos os lembrados e você é o primeiro.

Um motivo especial colocou o compadre no topo da lista. Passei a tarde de sábado lendo o livro que Nilto Maciel me enviou: Os Varões de Palma. Creio que a comadre Moema é de lá ou pelo menos os pais dela são daquela região. Da família Canindé. Pois o romance do amigo cearense, cinqüentão a partir deste ano, registra fatos daquele município, ao tempo do Intendente Felício do Rego, esposo invejado da cobiçada Perpétua.

Passa-se a ação da narrativa em um só dia: o do aniversário da primeira dama. Com talento, ironia, espírito crítico, domínio da linguagem e da arte de contar histórias, Nilto Maciel recorda os acontecimentos daquele inusitado dia, desde a alvorada festiva, sob os acordes da banda de Mestre Viriato, até ao entardecer, junto ao Cruzeiro. O mesmo cruzeiro onde a égua enfeitada pelos caboclos do velho Jacinto Jenipapo, aí levada por Joaquim, iniciara a vingança tramada pelos descendentes de índios. Não posso contar a trama em que a potranca vingadora teve importante papel, pois a Comadre Moema não lê livro do qual já sabe o enredo. E eu desejo que ela leia esse livro do Nilto Maciel.

Também não lhes mando o meu exemplar. Além de estar autografado pelo inteligente autor, o poeta Signorelli carregou-o, ontem à noite mesmo, tão logo concluí a aprazível leitura. Disse que o passaria para Critilo do Rio Verde, assim que o lesse, na certeza de que o poeta satírico ficaria encantado com o romance. A crítica de costumes, o retrato que o romancista faz das autoridades agradarão sem dúvida aquele poeta, que faz o mesmo em versos. Dizem que não se vendem muitos livros no Brasil, entretanto, lê-se regularmente. Uma edição de mil exemplares (trinta mil é marca para autores esotéricos ou de auto-ajuda) é lida, no mínimo, por quatro mil pessoas).

Adianto-lhe apenas, compadre amigo, que até a Rua dos Sete Pecados, com suas generosas moradoras, aparece na história contada por Nilto Maciel. Além do juiz, do padre, do delegado, dos coronéis, do inglês Mister Oliver, o barbeiro Faustino, com a bisbilhotice própria da profissão, ilustra a figura do espalhador de boatos e de fofocas, tão comuns nas cidades interioranas. Tudo contado por um narrador-observador, jornalista ferino, que consubstancia aquele tipo de narrador abordado por mim no artigo que lhe enviei em 93, em que comparei o narrador clássico benjaminiano com o narrador pós-moderno, caracterizado pelo mineiro Silviano Santiago.

Peça à minha afilhada que lhe traga da capital o romance Os Varões de Palma, quando ela for passar as festas de fim de ano com vocês. Transmita-lhe a minha benção e entregue-lhe o presente que envio para ela. Esse livro Corpos Escritos, da poetamiga Lúcia Serra, já pode ser lido por Iracema. Diga à comadre que a menina cresceu, tornou-se moça e mulher. E bonita, como pude perceber pela última fotografia que ela me enviou.

Recomendações à comadre e um forte abraço do
Aníbal Albuquerque.

(Jornal do Sul de Minas, Varginha, MG, 6/12/1995)
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