(Igreja matriz de Baturité, isto é, de Palma, de cuja torre Helena foi jogada)
O lançamento deste livro de Nilto Maciel foi uma festa bonita. Com bastante gente enchendo o salão. Leitores muitos, portanto. Com certeza, em vista do valor da obra lançada e do destaque do Autor em meio às letras cearenses.
Ora, isso bota muita alegria na gente. Como um triunfo. Imagine-se o que vai na alma do autor flechando-lhe o espírito. Porque, amigo leitor, são pessoas se reunindo em torno de livro. Por causa de livro. E toda aquela gente estava ali, naquela noite, para festa de livro. Porque o contrário é o mais acontecido: número reduzido de público nesses momentos. Quase sempre. Por isso, foi uma coisa que encheu a gente de renovada admiração.
Nilto Maciel é escritor nascido em Baturité. É importante todo mundo saber logo que edita a revista Literatura desde 1991 – o que já é suficiente para encher de vaidade o coração do homem. Muito merecidamente, tem – como numa coleção – prêmios literários numerosos: Brasília de Literatura, 1990, com este A Última Noite de Helena. Graciliano Ramos, 1992/1993, com Os Luzeiros do Mundo. Cruz e Sousa, 1996, com A Rosa Gótica. Todos categoria romance nacional. No conto, com Pescoço de Girafa na Poeira, 1998. E outros. E mais outros.
São indicadores fortes do prestígio do Autor. Nesses elementos, o leitor de Binóculo tem o retrato do escritor destacado cujas obras reclamam leituras constantes.
É verdade: com essas informações, busca-se dizer aos leitores quem se vai ler e o que se vai ler. Principalmente este A Última Noite de Helena. É um livro de poucas páginas. Só 97. Certamente não será nem a primeira nem a última leitura que o leitor fará. Porque você vai sentir-se convidado para leituras repetidas, como comigo está acontecendo. Ainda que, virada a derradeira página, sua curiosidade, indagações e elocubrações tenham tido resposta com o término do mistério do crime. Porque é no fim que tudo se esclarece de maneira surpreendente. Aí se acaba o intricado da narrativa. Vão-se as suposições e hipóteses que o leitor vinha criando ao longo da leitura. Mas é aí então que o repetir de leituras passa a ser exigência, à vista de como o Autor trabalha as palavras e arruma a linguagem. Tão agradavelmente ele faz isso. Tão simplesmente. Tão objetivamente. Entre outros, é este um dos aspectos que amarram o leitor nas 97 páginas. É o estilo gritado de Nilto Maciel, “como se quisesse que o leitor o ouvisse e não apenas o lesse”. É o envolvimento do leitor pelo estilo possibilitando cumplicidade com o leitor.
A Última Noite de Helena: romance reportagem? Romance policial? Romance “omisso” em que o leitor deve evocar coisas que não achou nele? Romance de caráter fragmentário e antidiscursivo? Tudo isso é discussão para críticos e ensaístas centrada na concepção de romance. O leitor comum não se preocupa em interrogar o gênero literário em que se possa classificar o livro de Nilto Maciel, que pode ter uma dessas qualificações para um e não a ter para outro, isto é, romance para este e não o ser para aquele. O fato é que enquanto se tem o questionamento acerca de gênero, A Última Noite de Helena vai sendo admiravelmente lido. Repetidamente lido. Saborosamente lido. Prazerosamente lido.
É certo: em A Última Noite de Helena, o leitor não se prende ao que a crítica disse (ou diz). Ao como o recebeu. É um romance que a gente lê assim: sem levar em consideração a posição antecipada dos críticos. O leitor só quer ler. E sentir, nas 97 páginas, a curiosidade num crescendo continuado. E o Autor, magistralmente, vai alimentando essa participação do leitor até o fim. Até a surpresa do desfecho. Inesperadamente colocada.
É: Nilto Maciel vai deixando as conclusões sobre a verdade do homicídio ao sabor da imaginação do leitor de quem vem em socorro somente no fim do romance. Sim, o leitor vai tentando, ansiadamente, preencher as lacunas que engendram o misterioso crime. Conjeturando. Corroborando com insinuações e indagações pessoais.
Este caráter “omisso” de A Última Noite de Helena, que faz o leitor evocar coisas, pessoas, criminosos – que não acha no livro – leva-o à narrativa num fôlego só. Sem lhe custar qualquer sacrifício. Sem lhe botar qualquer fadiga.
Não só por isso, porém, o estilo fragmentário, gritado, de Nilto Maciel – (o que para alguns críticos não seria qualidade) – é um traço outro de atração do leitor. Que bota entusiasmo no leitor. Acrescente-se aqui a correção gramatical, que é importante. A propriedade no vocabulário. A singeleza da forma. São propriedades da narrativa de Nilto Maciel. Muito bem: atente o leitor para esses pontos que os terá confirmados nas páginas de A Última Noite de Helena.
Também o leitor amigo vai deparar isto: não é fácil e clara a percepção, ao longo do romance, de diálogos. No entanto, ele está ocupando tantas páginas das 97. Quase todas sim. É que o Autor omite os sinais convencionais e tradicionais de diálogo – travessão, aspas – sem prejuízo, contudo, para a compreensão da narrativa. Porque o leitor vai identificando mentalmente esses sinais preenchendo lacunas. Sem esforço. É como se o Autor pedisse ao leitor que os figurasse pela leitura compreensiva do texto. Assim, Nilto Maciel – pode-se dizer – alcança uma reforma no discurso com a quebra de padrão de escritura, deixando ao leitor o cuidado de completar os vazios. Aliás, a quebra sintática, a omissão de sinais gráficos, a índole fragmentária de estilo são comuns no texto contemporâneo, induzindo o leitor a envolvimento maior com a narrativa.
É verdade: com A Última Noite de Helena, o leitor vai estar envolvido sim com curioso do enredo. Com as insinuações e suges0tões suscitadas. Com o inesperado do desfecho. Com o impacto do estilo fragmentário da frase curta. Com os conjuntos lingüísticos nominais. Com o bom gosto da correção.
Porque o romance de Nilto Maciel provoca o leitor e o incita a elaborar ilações e hipóteses e a apontar caminhos e soluções, chamando à co-autoria.
(Jornal Binóculo n.º 34, Fortaleza, CE, dezembro de 2003, e Revista Literatura nº 28, Fortaleza, CE, jan/abril/2005))
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