O primeiro parágrafo de "A última noite de Helena" leva a admitir que se terá algo que lembra "Um corpo que cai", o belo filme de Hichtcock. Mas logo se verifica que a idéia inicial é falsa. Porque o livro de Nilto Maciel é, antes de tudo, eminentemente brasileiro, sem os cenários e personagens magistralmente levados à tela pelo cineasta inglês. Mas o leitor haverá de convir com a semelhança. Helena morreu ao cair da torre do sino da matriz de uma cidade pequena do interior, onde todos, ou quase, se conheciam. Segundo as investigações, a jovem não pulara, descartando-se a hipótese de suicídio. Morte misteriosa e escandalosa, porque em Palma nunca se matava mulher. Sequer nos cabarés, onde frequentemente se registravam desordens. Quanto mais em uma igreja, onde só falecia o filho de Deus, mesmo assim durante a missa.
Um romance policial e de costumes com personagens de caráter muito bem definido, vivendo horas e dias de suspeitas sobre o autor do homicídio. Quem seria? Geralmente em casos congêneres, todos são suspeitos, mas neste específico alguns imediatamente surgiram como prováveis assassinos. Helena aparecera na cidade, não se sabendo exatamente de onde, e quem era. Passou a ser vista e interpretada de acordo com a imaginação de cada habitante. Bonita, não conhecia ninguém, nem ninguém a conhecia. Instalou uma escola para aulas particulares, provocando curiosidade e, em um professor local, ciúme e suspeita. Iria tomar-lhe os alunos. Poderia ser um dos suspeitos, tanto quanto o sacerdote, porque ninguém teria acesso ao templo e a seu modesto campanário, sobretudo àquela hora da noite. Porque o corpo foi descoberto em torno de zero hora, quando a cidade dormia e raríssimos moradores ouviram o ruído surdo no pavimento da praça. O misterioso aparecimento da moça mobilizara a população e suscitara a malícia das mulheres. Indagavam-se as esposas sobre a recém-chegada. Helena, pecadora confessa, um dia teria seu nome na boca do povo, e o dia chegara. "Todos impiedosamente lhe apontariam o labéu estampado no rosto". Mesmo professora, mesmo com sua escola de portas abertas, mesmo com anúncio na porta, mesmo com muitos meninos precisando de aprender, nem tudo isso conseguia quebrar a cortina que a separava da comunidade. Só Deus saberia o que fora fazer a jovem em Palma, e foi ele que deve tê-la aproximado do padre Diógenes, com a qual fez amizade. O surgimento da professora e, depois, seu trágico fim constituíam assuntos constantes na mesa do Café Progresso, onde os homens falavam de tudo, mas encontraram na tragédia mais candente tema. Helena foi julgada trapaceira e prostituta por esposas mais afoitas e menos bonitas. A expressão "triângulo amoroso", lembrando uma novela de tevê encontrou guarida. Virou moda. O caso se enriquecia 'de boca em boca, de bico em bico, de beco em beco". Surgiram até casas de comércio, quitandas e vendinhas com o nome de "Triângulo Amoroso". Três suspeitos apareceram com ênfase nos grupos opinativos: o sacerdote, o soldado que dirigia gracejos à moça e Timóteo. Nesse vai-e-vem de idéias e invenções, desenvolve-se o romance, cujo enredo inclui mulheres enciumadas ou em risco de perderem maridos. E quem sabe? Não poderia ser Helena uma terrorista, com tantos que grassavam no país à época? O bom livro de Nilto Maciel dá a resposta a todos os quesitos.
(Jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte, MG, 30/4/2005)
/////