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terça-feira, 22 de maio de 2007

Bicho asqueroso (Nilto Maciel)



















Três dias antes de morrer, Euclides Azevedo leu uma biografia de Arnaldo de Bréscia. Pouco mais de cinqüenta páginas. O livrete fazia parte de uma coleção. O primeiro volume biografava Frederico Barba-Roxa. Os volumes seguintes eram dedicados a Carlos Martel, Carlos Magno, Henrique IV, Ricardo Coração de Leão e outros monarcas.
Desde adolescente, Euclides sentia imenso prazer em ler biografias. Sobretudo as vidas de personalidades da Idade Média. Como sempre fazia, rabiscou, à margem das páginas, algumas observações. Uma delas diz: “Queimar um homem é crime hediondo. Mais hediondo é queimar mulheres. E crianças. E poetas”.

Euclides pretendia escrever um romance de Joana d’Arc. Não um romance histórico, mas psicológico-político. Seria seu primeiro romance. Anos e anos de leituras e anotações. Vários cadernos repletos de inquisições, atrocidades, fogueiras.

O último capítulo da biografia de Arnaldo de Bréscia é o mais grifado por Euclides. Intitula-se “Preso, estrangulado e queimado”. É a narração minuciosa do fim do grande inimigo do Papa Eugênio III. Capítulo assombroso. Um retrato da mais terrível das mortes. Euclides parecia sentir a proximidade da própria morte. Como se ela fosse um bicho asqueroso.