Não sei por quanto tempo fiquei trancada naquela sala. A consciência era um fio de náilon oscilante. Eu a atingia por um ângulo indefinido. Ia e vinha, de modo que o tempo se repartia em pedaços de cenas que eu entrevia na escuridão. Já sabia que a consciência tinha me sobrado. Do resto, nada podia dizer; não sentia o meu sangue ferver nem gelar. Eu era só um corpo sujeito a reparos inevitáveis, centro de urgentes atenções.
Eu tinha um mundo e aquelas pessoas, outro. Elas não conheciam o meu, mas eu tinha noção do delas. A ligação estava naquele ser derramado ali, sem pudor e creio que, na concepção delas, sem um mundo imediato.
Eu não sabia até que ponto a minha vida dependia delas. Ao mesmo tempo em que eu sentia medo de que desistissem de salvar-me e mergulhava num desespero mudo, criava subsídios de luta. Eu tinha um filho de apenas três anos; àquela hora ele deveria estar sentindo a minha falta. Eu tinha a obrigação de voltar.
Tive ímpetos de atribuir à Rosa a responsabilidade por eu estar ali. Aqueles vinte minutos de conversa modificaram a minha vida, detiveram todos os relógios e a minha pressa. As obrigações da rotina, sempre tão marcadas, de repente, estavam forçadas a esperar por mim. Até aquele instante eu precisava conduzir um corpo a um destino sempre previsível. Depois, vi aquele corpo ser conduzido, à minha revelia, sem que eu pudesse responder por ele.
Os ruídos fugiam lentamente e eu mergulhava em nuvens brancas, esparsas, onde só a inexistência fazia sentido. Aos poucos, frágeis sensações retornavam e eu me sentia desacordada dentro de um trem veloz, perdido de sua direção. Eu tentava deter a máquina, fazê-la retornar aos trilhos, mas o maquinista não escutava os meus apelos.
Foi tudo tão rápido. Nenhum cronômetro poderia marcar o instante exato da minha tragédia. Eu vi aquele monstro de ferro enfurecido avançar sobre mim, sem que eu pudesse reagir. Vi todas as luzes do mundo se apagarem, todos os sinos do céu tocarem e todas as mãos se erguerem numa prece. A multidão, compadecida, assistia àquele espetáculo sangrento com gritos pendurados na boca, querendo avisar-me da minha morte.
Dei por mim viva e incomunicável, extraviada numa cama fria de hospital, atravessada pelo desejo de provar que ainda existia.
Depois de muitos dias abri os olhos e vi mais do que o simples invólucro que reveste todas as coisas. Apossei-me da nova condição e aprendi rapidamente a viver com os pés fora do chão. O meu filho pergunta por que só ando de carrinho e eu invento respostas lúdicas, improvisadas: os trens são muito barulhentos e os carros grandes, muitas vezes, tiram as pernas das pessoas...
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