Da janela de casa, avistou um menino, à beira do lago, o silêncio da noite. Um lobo se abeirou das águas, olhou para o céu e venerou a Lua. Sedento, abaixou a cabeça e bebeu o claro círculo. Súbito o mundo escurejou. Atônito, o animal se contorceu, gemeu, se pôs a expedir clarões e se arrojou às águas. Banhou-se pelo resto da noite, até que o Sol surgiu enorme, límpido, feito um disco d’ouro. No lago o lobo ainda se debatia, como se garras o puxassem para o fundo. Tentava emergir, respirar, e mais se afogava. Voltava à tona, avistava nesgas de luz e suplicava ao Sol socorro. Em vão, porque nuvens de chuva se ajuntavam. Desesperava-se, sem forças já. Iniciava-se a chuva. O lago se revolvia, inflava. Peixes em festa saltavam em todas as direções. As águas se avolumavam mais e mais. O lago avançava sobre as terras e se confundia com riachos, rios, correntezas. O dilúvio, talvez. O mundo escurecia, repleto de águas. O menino, debruçado à janela, observava tudo com apreensão. Quando as águas desceriam para o mar? Quando o Sol voltaria a aquecer a Terra? Quando reveria as árvores, os animais, as pessoas, o chão? Aos poucos, porém, a chuva se abrandava, as nuvens sumiram, as águas baixaram e o lobo reapareceu à beira do lago, a uivar feito um deus. A Lua brilhava de novo. O animal se abeirou do lago, olhou para o alto e venerou o disco dourado. O menino transpôs a janela, correu na direção do lago e espantou o lobo. À beira da água, avistou a Lua a tremeluzir. Sedento, abaixou-se e bebeu feito um lobo. Súbito o mundo se cobriu de trevas. Apavorado, o menino sentiu náuseas. Como se tivesse engolido todo o fel do mundo. Contorceu-se e se pôs a vomitar restos de luas. No alto da colina, o lobo olhava para ele e o lago, como se entendesse de dores e desejos, como se pudesse impedir a tempestade e o desespero.
Junho de 2005./////