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segunda-feira, 11 de junho de 2007

Uma página de Robbe-Grillet (Nilto Maciel)




















Quando Jean Denis Lanson esteve no Brasil, o repórter Guido Mocho foi incumbido de entrevistá-lo para o Diário da Tarde.

Segundo o editor, só Guido poderia realizar uma boa entrevista. “Você sabe francês, e basta”.
O repórter quis se esquivar. Ora, não entendia nada de literatura. Quando estudante, havia lido meia dúzia de romances, sem qualquer prazer. Alencar, um chato. Machado, enfadonho. E sempre confundiu Manoel Antonio de Almeida com Joaquim Manuel de Macedo. A Moreninha e Memórias de um Sargento de Milícias lhe pareciam do mesmo autor. “E quem lhe disse que o homem é literato?”
Lanson acabara de publicar o livro Il est tard. Um jornal falava em romance. Aliás, no nouveau roman.

O editor do Diário explicou: não se tratava de literatura, mas de obra sobre ecologia.

Um colega de Guido riu de todos: andavam fazendo uma grande confusão. Estivera na França e ouvira falar do grande físico Jean Denis Lanson. Il est tard tratava da questão nuclear.

Guido dirigiu-se à Embaixada da França. Precisava esclarecer aquilo. Como fazer a entrevista, se só sabia o nome do personagem da entrevista? Receberam-no com excessiva cordialidade. Contudo nem o Embaixador sabia mais do que a imprensa brasileira sobre o tal Lanson. “Que s’est-il passé?” Talvez o visitante fosse Gustave Lanson, o grande crítico literário. Não, não. Este havia morrido em 1934.

Com horas de atraso, Guido chegou ao hotel onde se hospedava o francês. O livro? Não, não sabia de que livro falava o repórter. “Je ne sais rien, mais je voudrais savoir quelque chose”.
Passada a primeira hora, ainda não haviam chegado a qualquer acordo. Lanson só lia literatura de entretenimento. Nunca conseguira ler mais de uma página de Robbe-Grillet. E de Natalie Sarraute? Desconhecia. E Claude Simon? O deputado acusado de...? Guido mudou de assunto. E a Amazônia? Se pudesse, passaria alguns dias lá, nas praias, olhando as garotas e seus magníficos biquínis. E ria, esfregava as mãos. “Dieu me pardonne! Ah! que je suis content!”

O repórter passou à guerra nuclear. O que seria da humanidade, após a catástrofe? Lanson sorveu sua bebida e quase nada falou. “De quoi parles-tu?” Guido olhou para o teto, como para o céu, e imitou bombas explodindo: bum-bum-bum. Sim, sim, viagens pelos espaços siderais. Adorava Uma Odisséia no Espaço. Que filme! Logo, porém, desceram às nuvens, que também não podiam ver. Depois, à fumaça de seus cigarros. E flutuaram, quase mudos. Por fim, baixaram a si mesmos e, atônitos, abraçaram-se. “Au revoir!”
Cabisbaixo, Guido tomou o rumo do jornal.

A entrevista deu muito o que falar. O Diário da Tarde vendeu mais de um milhão de exemplares. Guido Bezerra Mocho ganhou abraços, aplausos, prêmios. Fez-se glorioso, de repente.
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