A pequena cidade de São Roque de Minas definhava na letargia de uma vida sem futuro, agravada ainda mais pelo desmembramento de Vargem Bonita, berço do rio São Francisco. Ali tudo marchava para trás, a olhos vistos, sem que alguma panacéia salvadora pudesse ser entrevista. Não possuía agência bancária, o comércio fraco perdia fregueses para a cidade vizinha, os aposentados recebiam em outras praças, a pecuária e a agricultura claudicavam, a educação e a saúde eram precárias. Ninguém atinava com a solução, os filhos da terra, angustiados, só pensavam em emigrar e as mudanças se sucediam, tal como num conto meu, já bem antigo. Só que a aparente solução, em minha estória, veio de repente, nas asas de um bilhete lotérico, enquanto no caso mineiro ela chegou devagar e com tremenda luta: foi quando lá aportou, disposto a viver na terra natal, o recém-formado agrônomo João Leite, jovem e solteiro. Chegava com a decisão heróica, talvez quixotesca, de tirar da terra sáfara o sustento e, um dia, a própria riqueza.
Observando aquele cenário marasmático, o moço percebeu com olhar arguto que o mal da cidade estava na falta de dinheiro, ou melhor, de crédito. Os pequenos produtores de variados produtos, entre os quais o café, considerado dos melhores existentes, e os queijos, classificados por especialistas franceses entre os melhores do mundo, não tinham a quem apelar quando necessitavam de algum numerário. Foi então que surgiu a idéia luminosa: São Roque necessitava, com urgência, de uma cooperativa de crédito. Convencido de que ali estava o remédio, tratou de ler tudo que encontrava a respeito e de conversar com outras pessoas para melhor se informar. Expondo suas idéias, foi considerado louco pelos eternos pragmáticos, objeto de críticas e chacotas de mau gosto, e atacado pelos politiqueiros que viam em sua pregação objetivos eleitoreiros. Em compensação, um punhado de corajosos acreditou nele e tratou de ajudá-lo pelas formas possíveis. Todos se convenceram de que o cooperativismo constituía um dos caminhos para a liberdade – como pregava Bertrand Russel ainda no início do século passado. E assim, aos trancos e barrancos, vencendo os mais inacreditáveis obstáculos, a descrença e a má fé, nasceu a cooperativa, pequena, humilde, instalada de maneira precária, limitada nos seus contratos, empréstimos e financiamentos. Foi aos poucos conquistando a confiança de todos e prosperou lindamente, como planta bem adubada em solo fértil.
Em 9 de junho de 1991, 22 fundadores assinaram o estatuto social da SAROMCREDI, apelidada pelos descrentes de “tamborete” (não merecia sequer o nome de “banco”). Desde então tudo começou a mudar: muita gente voltou, os proprietários rurais adquiriram máquinas e insumos, o milho, o café e os queijos se multiplicaram, o comércio floresceu e os velhinhos aposentados podiam receber em sua própria cidade. São Roque mudou de rumo e a cooperativa estendeu raízes para outras atividades, interferindo até na educação e na saúde públicas, e passou a atuar em outras cidades. João Leite, aos 38 anos de idade, sagrou-se um dos maiores cooperativistas do país, ministrando palestras em várias localidades. Aprendeu de experiência própria que o verdadeiro sucesso não é barulhento, mas vem quieto e lentamente, como escreveu Howard Fast. A quatro mãos com o festejado escritor André Carvalho, narrou sua tocante história no livro “A Cidade Morria Devagar”, a que deram o justo subtítulo de “romance de uma cooperativa”, publicado pela Editora Armazém de Idéias (Belo Horizonte – 2004). É um exemplo vivo de que com boas idéias e coragem para sustentá-las é possível fazer o mundo melhor, ainda que começando em pequenos redutos, como a bucólica São Roque de Minas, nos contrafortes da Serra da Canastra. Sob as bênçãos do milagroso e santo rio São Francisco, a cidade reviveu.
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