Quando o primeiro caderno se completou, Cleto desistiu do segundo. Não ia mais anotar os nomes dos falecidos e as respectivas datas de morte. Tudo começou quando o pai morreu. Comprou um caderno grande e deu-lhe o título de “Falecidos”. Quase todo dia anotava um nome: parente, amigo, conhecido, político, ator, cantor, escritor, jogador de futebol. Se lia ou ouvia notícia de falecimento, corria ao caderno e anotava: fulano de tal e a data. De vez em quando passava algumas horas a rememorar os seus mortos. Mulher, quem era Anacoluto dos Anzóis Pereira? Ana se irritava com a mania de Cleto: Sei lá, homem. Deve ser algum gramático sem pé nem cabeça. Outras vezes se lembrava de algum parente esquecido ou pessoa famosa. Já teria morrido? Consultava o caderno e não encontrava o nome. Mulher, Maria ainda está viva? Ana só faltava chorar: De que Maria falava o marido? Mulher, por onde anda aquela cantora carioca que regravou uma música de Noel Rosa? Não lembrava o nome e por pouco não ficava doido de tanto escavar a memória dele e de Ana.
Decidiu: não ia mais anotar os nomes dos mortos. Comprou outro caderno e deu-lhe o título “A falecerem”. Passou um dia a copiar nomes de parentes, amigos e pessoas famosas. Mulher, como se chama aquela sua prima que se casou com o Jorge caminhoneiro? Ana, quem é o presidente dos Estados Unidos? Não esqueça de escrever o seu nome, Cleto. Não escreveu, irritado, jogou o caderno na gaveta e se pôs a ler o jornal: “Previsão do tempo: Amanhã chove em todo o litoral”. Não choveu, mas Ana concluiu o primeiro caderno com o nome do marido.
Fortaleza, 12/10/2004.