(Virginia Woolf)
A escritora inglesa Virginia Woolf é uma das minhas obsessões. Há poucos dias, na minha eterna mania de catar obras nas livrarias durante as viagens, deparei-me com um exemplar de O Leitor Comum. De início, aagradável surpresa. Há tempos procurava uma edição, em língua portuguesa, desse clássico de Virginia. Comprei e corri para o hotel, janteifrugalmente, tomei um banho rápido, e fui para a cama na companhia da autora de Orlando.
Coletânea de ensaios sem o ranço do academicismo, com a profundidade e atransparência dos grandes mestres, mas sem presunção, nem o menor enfado. Logo no texto de abertura, que dá título ao livro, uma demonstração inequívoca do talento de Woolf. E fico com a ligeira sensação de que,“talvez, valerá a pena prosseguir escrevendo algumas idéias e opiniões que, insignificantes em si mesmas, irão contribuir muitíssimo para umresultado”. Muitos ensaístas me aborrecem porque sufocam minha imaginação em lugar decolocá-la para funcionar. Não é o caso de Virginia, parafraseando-a: em cada passagem que leio, a presença discreta de quem sabe “revelar-nos osuficiente para que adivinhemos o restante”. Ou seja, “sugerir peladescrição, não revelar pela iluminação”. No ensaio “Montaigne”, um dos retratos mais sublimes do mestre francês, descreve-o como se fosse um relato sobre si mesma, “seguindo as próprias fantasias, dando o mapacompleto, o peso, a cor, e o diâmetro da alma em sua desordem, sua polimorfia, sua imperfeição”. Essa arte pertenceu a duas pessoas apenas, concluo: a Montaigne e a Virginia.
Em meio a todo esse rico universo crítico, alguns valiosos conselhos: “Ao escrever, escolha as palavras cotidianas; escape dos exageros e da eloqüência”. Para logo arrematar: “Porém, é bem verdade, a poesia é umadelícia; a melhor prosa é aquela que mais estiver entranhada de poesia”. Logo adiante, Virginia adverte-nos: “Leis são meras convenções, incapazesde salvaguardar vestígios da imensa variedade e do tumulto dos impulsoshumanos; os hábitos e os costumes são conveniências tramadas como amparopara naturezas tímidas que não ousam permitir a suas almas movimentos livres”. O Leitor Comum foi publicado em Londres pela Hogarth Press, a editora que Virginia Woolf mantinha com o marido, Leonard. Saiu na forma de doispequenos volumes — o primeiro, em 1925; o segundo, em 1932. Há exatos setenta e cinco anos. Mas nada nele prescreveu, são sínteses críticas detal forma apaixonantes que nos dão uma irresistível vontade de ler, ou reler, os clássicos citados, como para conferir, ou colher, tamanha belezaapreendida. Conrad, Jane Austen, Defoe, Dostoiévski, Joyce, Montaigne, Tolstói, Tchekhov, Sterne, dentre outros, se fazem presentes. Apresentadospor uma leitora incomum, “capaz de condensar em poucas palavras o fascínio destes mundos imaginários e verossímeis”. Virginia nos põe sobre os ombrosde cada escritor e nos faz “fitar através de seus olhos até, também, compreendermos em que ordem ele dispõe os variados objetos comuns que os romancistas estão fadados a observar: o homem e a humanidade; por trás deles a Natureza; e sobre todos aquele poder que por conveniência e brevidade devemos chamar de Deus”.
(Texto publicado no jornal Gazeta do Oeste (Mossoró-RN), caderno Expressão, espaço Questão de Prosa, edição de 26 de agosto de 2007)
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