I
Ó meu Deus! Ó meu Deus! Destrói a noite.
Eu não suporto o seu cruel açoite
No vento a repicar!...
Eu quero a luz; a noite o ser destrói,
Sua algidez o corpo me corrói
De vício e de pesar!
II
Eu sou filho da luz, filho da aurora.
O meu ser purpureja e triste chora
Quando a luz frouxa apaga...
Não me deixes sofrer tanta desgraça,
Senhor, destrói a noite e a traspassa
Pra bem longe... outra plaga!
III
Quando à noite me inclino no meu leito,
Me contorço a gemer de todo jeito
A sentir muitas dores;
Depois, quando adormeço - e já bem tarde
O coração fervilha e o peito arde
A sonhar mil horrores!
IV
Lembranças muitas tenho do meu bem;
Uma saudade infinda logo vem
Depois... quando desperto!
E sofro angústia... dor... saudade e tédio;
E só os versos de amor são meu remédio.
O meu remédio certo!
V
Desprezo o breu e amo o lírio agreste,
Que de alvura a natura lhe reveste,
E transborda de luz.
O branco augusto é a luz que diviniza.
E a luz, pudor e graça simboliza;
E aos bardos seduz!
VI
Bendita seja a luz - bendito o dia,
Que transborda de viço e de alegria
Na madrugada em flor!
Te bendigo, ó luz - direção dos mastros
Perdidos em mar - néctar dos astros;
Madona do esplendor!
VII
Surgi, luz: - ilumina o meu pensar.
Quero vê-lo divino ao sol brilhar,
Amor reverberando!
Quero subir ao ápice - à fronteira
Onde só brilha luz a vida inteira
O verso alumiando!
VIII
Quero subir ao panteon sagrado,
Olhar bem perto o gênio imaculado
Do Deus da inspiração.
Quero ver Vênus - deusa da beleza,
Do formoso, do belo - singeleza;
Dona do coração!
IX
Inspira, ó musa, ao poeta um só instante
O viço do pensar inebriante
Que diviniza o verso!
Dai-me luz, ó musa, o verso ilumina-me,
E para o Éden sagrado encaminha-me;
Para a luz do universo!
X
Eu sou filho da luz - amo as alturas;
O perfume da flor - das formosuras,
Das candentes donzelas.
Amo o vicejo agreste, a brisa, o vento;
Odeio o mal - o seio purpurino
Das fétidas querelas!
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Ailton Maciel deixou alguns inéditos. Ailton Alves Maciel (nome completo) nasceu em Baturité, Ceará, em 7 de março de 1943. Em vida nada publicou, embora tenha escrito inúmeros poemas, romances e contos. Sua obra mais importante desapareceu. Talvez no incêndio doméstico que quase o matou, em Brasília, onde foi viver (e morrer) no início dos anos 1970. Sua morte clínica se deu no dia 22 de outubro de 1974. Apenas quatro contos se salvaram: "Santa Caçada", "O Touro", "O Careca" e "O Presente da Professora", publicado na revista Literatura n.º 24, de 2003. Outros onze fragmentos encontrados podem ser de contos e romances.
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