Silêncios, ausências e duas bonequinhas de pano – eis o que foi dado a Beatriz receber quando veio ao mundo. As águas de uma enchente levaram logo as bonequinhas, enquanto silêncios e ausências cresceram com ela. E respostas eram raras como o pão. Beatriz virou Bia. Amava como intuía um amor que se entrega. Cultivou promessas, colheu desencantos. Insistiu nos sonhos, mas viu águas de outra enchente levarem o barraco e, dentro dele, Romeu, vulgo Sabiá. Bia então ganhou a rua. Foi morar sob o viaduto, na beira do rio. Uma confraria de iguais amenizou-lhe as dores de ausências e silêncios. Bia até sorriu quando virou Sá Bia do Sabiá. Numa tarde de inverno – e quase feliz – Sá Bia foi surpreendida pelo carro em sua direção. Atirada no rio e levada pela imundície, a mulher se debatia. De novo seus silêncios ganharam força e, com eles, a dor de uma espécie de saudade. Agarrada à tora de madeira plantada no leito do rio, Sá Bia resistiu até sentir faltarem-lhe as forças. Foi quando um soldado passou em sua cintura uma corda, puxada por seis lanternas que brilhavam na noite. Luzes que não existiam mais quando Sá Bia acordou, na enfermaria de um hospital. Dos pares de olhos à sua volta, um quase não se via, encoberto por farto buquê de rosas coloridas. A dona de olhos úmidos de tristeza colocou as flores sobre o peito de Sá Bia. Era a mulher do soldado que a havia salvo das águas do rio. E que, numa fatalidade, desaparecera arrastado pela correnteza. Os velhos silêncios de Beatriz então viraram lágrimas. Silêncios menores salpicaram pares de olhos suplicantes pelo ato seguinte. Repleta de dores, Beatriz pediu desculpas.
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