Eu, Antonio Silveira, vosso criado, digo que o que mais me espanta é o seu rebolado. Ficou bom, não? Então deixa eu começar de outro jeito. Eu, Antonio Silveira, seu escravo, digo que entre o seu rebolado e a minha serventia o que me deixa doido, mas doido mesmo, é o seu jeito escrachado. E que o bom deus a abençoe e guarde, mas só pra mim, porque de sacanagens esse senhor não entende. Quer dizer, entender ele entende, mas a sacanagem dele é por carência, nunca por abundância, porque enquanto ele cintila lá no céu é você quem vaza na cama; e como hoje em dia é bom se precaver contra certas injustiças, não custa pedir que ele a abençoe e guarde. Com abundância, das coxas ou línguas, não importa, o que vale é a guarda, sobretudo a benção. Essa coisa beata, com som de harpa, mas quando bem tocada até que funciona.
E já que tocamos no tema funcionamento, diz pra mim Glorinha, por que quando você cruza os braços os seus seios estufam? Como você faz isso? Isso não é coisa de anatomia, parece mais de demônio, demônio sacana, diga-se, que não tendo mais com que me azucrinar põe seus peitos à mostra para me provocar uma exploração minuciosa, prazerosa e conclusiva, como um geólogo diante das crateras de vulcões ativos. Dois inencontráveis cerros, isolados, inesquecíveis, como uma insônia onde se repensa temas sérios ou como a primeira trepada lá pelos quinze. A estrutura deles é coisa pra especialistas, gente que passa a vida estudando núcleos, gases, cataclismos. Só no olhar vamos da terra a lua sem passar pelos chicotes gravitacionais tão incômodos para os que querem alcançar o gozo declinando das expectativas. Seus seios, Glorinha, é a minha falta de ar que, fora a porra da pressão, eu deveria passar a vida inteira tendo.
E já que tocamos no tema ter, diz pra mim Glorinha, por que você não me quer? Eu já disse, seu escracho não me incomoda, até peço bênçãos, e em toda tarde aqui no escritório eu lembro do sacolejo ronronante que sai da sala da secretária e vem dar mais trabalho aos que eu já tenho comumente. Procuro ir pra casa mais tarde, invento eventos diversos, só pra turma de lá não me encher o saco com os meus contumazes adiamentos. Quando eu a chamo pelo ramal e você diz alô, eu levito, dá um curto-circuito danado que quando eu me reconecto foi você quem me desconectou. E se isso não fora bastante ─ gostou do pretérito, tenso, né não? ─ eu mudo o rumo dos compromissos para garantir que eu vou ver seu gingado, sem interesse algum pelo trabalho, mas focado no perfil fisionômico e intransferível do seu rabo. Eu sei que você quer mais, quer que eu resolva problemas que nem os neurologistas sabem solucionar, quer que eu dê um pé na bunda da Olga, mande a Laura e o Rodrigo procurarem outro pai porque esse aqui já tem dono e adora invencionices que a mãe deles nunca soube criar. Veja, não é bem assim. A Olga é boa mãe, boa marida, tivesse mudado de lado eu diria que a Olga é um baita macho para sustentar essa merda toda de rebolado, adiamentos, faltas e aleivosias. Mas acontece que ela só é sustentável no dia seguinte, no dia posterior ao da Glorinha, do seu rebolado, do escracho e de nossa sacrossanta putaria.
E já que tocamos no tema, diz pra mim Glorinha, ô, saco! Tem alguma importância eu comer a Olga ao longo do mês apenas alguns dias? Sabe, eu às vezes acho que você desliga o telefone pela manhã só pra partir prum tudo ou nada irritante a fim de definir logo o dia. Esse sujeito é ou não é meu? Veja, a coisa não funciona bem assim. Primeiro precisamos definir a quem pertence o rebolado. O escracho e o rabo são seus, não resta duvida, mas o rebolado é pra quem? É pra mim, pro Silvério, pro patrimônio dessa companhia, seu Isidoro, enfim, pra quem você rebola enquanto eu invento histórias sem compromissos com o fim? Se for para mim, veja Glorinha, todo envolvimento supõe fuga, seja da Olga, da Laura ou do Rodriguinho, mas sempre há fuga. Pelo menos do colchão que denuncia facilmente o evadido. É sério. Da perplexidade física com os vulcões, desfeita quando se atinge o ridículo de uma rotina, sinceramente Glorinha, os vesuvinhos da Olga até que não são ruins. E não veja nisso qualquer demérito, os seus são colapsos insistentes, como o seu rebolado, que antecipa uma distribuição equânime do corpo e desorganiza qualquer ser vivente. Mas fugir, fugir mesmo, eu não fujo. Eu, Antonio Silveira, afirmo que apesar do seu rebolado, do escracho que é a marca do seu perfume, com a mente altiva e numa prece onde eu só encontro graças, digo não se preocupe, pois eu sou você amanhã, pelo menos na subserviência, do seu sempre e inesquecível Antonio Silveira vosso criado.
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