Gerôncio chegou vestido de treva ao armazém. No fundo do salão escuro o negro Sabiá jazia inerte e acorrentado ao pilão deitado. Verificou que o negro estava vivo mesmo depois de tanto apanhar para confessar o roubo.
Foram várias patacas desaparecidas do baú da casa grande no domingo de páscoa. Mas o negro carregador de água já confessara tudo. Só não soube dizer aonde guardara o tesouro.
No curral ao lado o touro “surubim” já escavava o chão com os chifres, após dia e meio sem comer e sem beber e passaria mais um naquele estorrico. Era preciso muita fome para enfrentar o negro. Era preciso exemplar o negro na frente dos outros.
Dia seguinte lá pelas onze o negro foi levado e amarrado nu ao mourão no centro do curral ensolarado. Seu corpo foi untado de manteiga da terra e o touro solto de suas amarras. Era um touro de mais de trezentos quilos esfomeado e sedento, sentindo o cheiro da manteiga que escorria com o suor do negro amarrado ao tronco.
O touro se aproximou, cheirou o corpo do negro, amanteigado, e deu a primeira lambida na barriga úmida. Foi o suficiente para que se ouvisse o grito do condenado e o filete de sangue escuro escorrer pelas pernas. Assim o touro quanto mais lambia a manteiga com o sangue mais parecia enfurecido com tanta fome e sede. Em pouco tempo estava o coitado em carne viva, tentando livrar-se daquela língua lâmina.
Aos poucos ia perdendo todo o sangue e a força do grito, e pendia entregue à dor, desfalecido e exangue. Os outros negros do outro lado da cerca se benziam de olhos marejados.
Na porteira do curral o patrão recebeu o delegado que chegava, avisando ter encontrado o tesouro nas mãos de um meirinho que já estava preso na cidade.
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