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domingo, 11 de julho de 2010

Orós (Mario Sawatani)



(Alexandre, filho de Mario, a navegar no Açude Orós)

A pequena cidade de Orós é famosa por ter um dos maiores açudes do Brasil e por ser o berço do cantor e compositor Raimundo Fagner. Decidi visitá-la.

Logo que cheguei, desci do carro, e fui assediado por um dos barqueiros que me oferecia passeio pelo açude.
– Acabei de chegar, estou exausto e com fome, onde há um restaurante, sem esse forró (eletrônico) que está tocando? – Disse isto, sorrindo sem ironia, após dirigir 400 km ininterruptos.

Ele disse, num tom absolutamente hospitaleiro:

– Moço, o senhor encontra comida e música boa naquele restaurante, que é uma balsa.

Pensei: por que um restaurante, simples, teria sido construído, sobre madeira flutuante, se estávamos à beira do açude, em terra?

Entrei, meio desconfiado, acompanhado do rapaz para quem trabalho diariamente: meu filho. Sentamos. E logo, de uma mesa, em que se encontravam mancebos jovens e mais adultos, saiu o som de um violão. Eu ignorei completamente e pensei:

– Puta que pariu! Eu fujo do forró eletrônico e venho ficar ao lado desses bêbados e desafinados. Eu, morto de fome, só pensava em comer um tucunaré, que a mulher do restaurante insistia em dizer que estava difícil de ser pescado.

Com jeito, com o carinho e com as minhas piadas, que só as mulheres sabem valorizar, eu consegui que ela fosse até um barco e adquirisse, rindo, o meu tucunaré. Eu, mimado, desejava-o. O que uma boa piada e um bom sorriso não conseguem? Foi, então, que o Alexandre disse:

– Olha, papai, é o Fagner, o cara do violão.

Eu olhei, incrédulo, porque, além da minha mesa, só havia mais duas ocupadas no arejado restô. Não gosto de olhar para mesas vizinhas, principalmente quando o mau-cheiro de cueca é predominante. Tenho alergia a testosterona alheia. Olhei e, incrédulo, disse:

– Olha aí, rapaz! – Falei brincando: – Eu nem combinei com ele, mas ele veio me esperar.

Deixando de lado a circunstância de Raimundo Fagner torcer por um time contrário ao meu Ceará, sabia que, numa das dezenas de ilhas do Orós, ele possuía uma casa, onde passava férias. Não esperava, porém, que ele estivesse ali, tocando de graça pra mim. Num minuto, o violão tornou-se afinado. O baião-de-dois e o tucunaré ficaram melhores do que o caviar russo que um amigo me presenteou.

Por muito tempo, desde o presidente brasileiro JK, o Orós foi o maior açude (com barragem artificial) do Brasil. Inclusive para aplacar esta necessidade cearense de querer ser sempre o maior do mundo.

Recentemente construíram, mais perto de Fortaleza, o famoso Castanhão, o maior açude do Brasil na atualidade.

Segundo Gilmar de Carvalho, o cearense sofre o mito da rejeição, demonstrado por José de Alencar no romance Iracema. Os cearenses valorizam o estrangeiro, em detrimento do seu valor natural. Precisam se autoafirmar, sempre, dizendo que têm a maior rapadura do mundo, o maior açude, o melhor maestro, a primeira mulher da Academia Brasileira de Letras e outras coisas sem relevância alguma.

Voltando ao Orós: o açude possui 46 km de águas navegáveis a barco e uma profundidade média de 80 metros em alguns locais. Estes dados foram determinantes para que eu fizesse essa visita, pois o açude se encontra numa das regiões mais secas do país.

Aí aconteceu algo que me chocou, pois a profundidade do local onde eu nadava, naquele momento, era de mais de 80m. O Alexandre, que sabe nadar como uma piaba, fez uma pergunta:

– Papai, eu posso pular do barco também sem meu colete salva-vida?

Eu gelei. Pois eu sei nadar e sei que ele passou anos na natação, mas, nem no mar, eu tinha ficado em águas tão profundas. Como uma amiga psicóloga disse, eu consigo reconhecer o desejo do meu filho, e é fácil. Eu respondi:

– Oh, meu filho, você está tão bem com o colete.

Lembrei-me, com Guimarães Rosa, que viver já é muito perigoso, mas a gente sempre quer mais um pouco. Aí fui sincero e dei um golpe baixíssimo:

– Você pode vir, sim, mas se lembre das piranhas. Sem o colete flutuante é mais difícil sair da água, no caso de a gente ser atacado por elas.

Ele respondeu à altura:

– Eu quero lá saber de piranha, eu quero é tomar banho livre. Ninguém foi atacado aqui, por que é que eu vou ser o primeiro?

Confesso que sei mesmo reconhecer o desejo dele, mas nem sempre é agradável. Tomamos banho, numa água que só era quente do seu espelho até meio metro, depois tornava-se gélida, como um refrescante copo dágua gelada para quem tem sede.

Orós, 7-7-2010.

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