“Que o tempo passa, vendo “retratos” no lugar que está, sentindo a vida desconhecida nascer em mim, procurei encontrar o que o mesmo foi esquecido...” Lêdo Ivo
Sobre o livro “Imagens Negociadas”, de Sérgio Miceli, traço algumas pinceladas. O livro faz uma análise mais sociológica do que artística. A tese de Miceli é a de que o retrato brasileiro é uma espécie de coluna social feita a óleo; defende que o retrato é sempre uma “imagem negociada” e que funciona como arma de marketing pessoal.
Ao tirar essa máscara, pergunto, será que não encontramos arte verdadeira nesses retratos pintados? Por exemplo, o retrato da Mona Lisa é sinônimo de arte.
Antigamente os pintores tinham a pretensão de fazer arte quando produziam retratos, mas nem sempre o retrato foi feito de forma adulatória. Mário Quintana mostra: “Há uma cor que não vem nos dicionários. É essa indefinível cor que têm todos os retratos, os figurinos da última estação, a voz das velhas damas, os primeiros sapatos, certas tabuletas, certas ruazinhas laterais: - a cor do tempo...”
Mário de Andrade, por exemplo, foi retratado por divas como Anita Mafaltti e Tarsila do Amaral e, no caso, em troca de notas jornalísticas avalizando os dotes artísticos das retratistas; mas cada pintora colocou na tela o Mário que desejou, sem perder sua criatividade, porque, mesmo assim, seus trabalhos são considerados como arte. Tanto a arte de pintar, quanto a arte de escrever de Mário de Andrade .
Até o grande Portinari pintou Getúlio Vargas, nos anos 30, e seu modelo foi uma fotografia, o que também pode ser chamado de arte. E qualquer traço vindo do mestre Portinari é e sempre será arte.
Também nos anos 30, Flávio de Carvalho fez bons retratos e conseguiu impor sua marca expressionista; reconhecida e valorizada até hoje. Sem contar que muito do que se produziu na pintura, até o final do século passado, foi composto por retratos.
Atualmente o retrato é desprezado e é tão caro que talvez não sejam feitos mais, porém, será sempre considerada obra de arte.
O retrato teve o seu papel no passado, de funcionar como coluna social, de ser feito apenas pela elite e de retratar, como vejo hoje, as pessoas com quem os pintores se relacionavam.
Enfim, mesmo o retrato sendo negociado, não perde o seu valor artístico. Expressar, pintar, pincelar, captar as linhas, demonstra criatividade: quem sabe olhar o real geometricamente retrata para sempre. Pedro Du Bois conduz em palavras poéticas:
“Imagens / figuras traduzidas / iconográficos / retratos inacabados /
ao abrirem as luzes // a modelo / nua / se adianta à roupa / não contida
na pintura // o retrato guarda / a instantânea forma / de se dizer eterno /
de se dizer duradouro / de se permitir esmaecer / na sobriedade da pose”.
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