Em 1980 um grupo de cientistas fundou o Projeto SETI (Seath for extraterrestrial intelligente). Seu objetivo era, mediante radiotelescópios, detectar sinais eletromagnéticos emitidos por civilizações de outras regiões do Cosmo. Partia-se do princípio de que, onde houvesse vida, a alta inteligência necessariamente surgiria, visto que esta confere à espécie que a possui maior adaptabilidade ao meio – “Mais inteligente é melhor”, sentenciou Carl Sagan, líder deste Projeto.
O biólogo Ernst Mayr, valendo-se da própria história da vida na Terra, demonstrou, entretanto, que essa premissa setiana é falsa. Afirmou que, decerto, a seleção natural opera ao mesmo tempo em vários ramos taxonômicos – filos, classes, ordens… – favorecendo o surgimento e desenvolvimento de certos órgãos, como as estruturas fotorreceptoras (os olhos), “adquiridas de modo independente pelo menos 40 vezes no reino animal”. Não vislumbrava o Cientista, porém, nenhuma pressão seletiva conduzindo à alta inteligência, uma vez que, entre as milhões de linhagens existentes no Planeta, tal qualidade só surgiu em uma delas: a hominídea. Depois de apontar alguns acidentes sem os quais não teria vingado nossa estirpe, Mayr concluiu: “Como é extremamente improvável a aquisição da alta inteligência”, “como era infinitesimal a chance de isso ocorrer!”.
Agora, a pergunta: dado o seu suposto valor adaptativo, o que explica a raridade da alta inteligência? — Como uma das razões, alguns biólogos evolucionistas apontam o seu elevado custo em consumo energético (de fato, nosso cérebro demanda 20% de todas as calorias que o organismo consome). Aliás, em uma pesquisa realizada com moscas-das-frutas, Frederic Mery da Universidade de Friburgo descobriu que, em condições de grande escassez de víveres, as drosófilas com inteligência acima da média vão-se rareando até desaparecerem por completo. Infere-se desta experiência que, se os benefícios da inteligência a partir de certo nível não compensam o preço a ser pago, a seleção natural não irá favorecê-la, muito pelo contrário.
Outro custo da alta inteligência foi recentemente descoberto por James Sikela et al. da Universidade do Colorado. Segundo Sikela, a sequência de cópias do gene DUF1220 que determina o desenvolvimento do cérebro é a mesma que, com arranjo ligeiramente alterado, gera doenças mentais graves, como o autismo e a esquizofrenia. Significa dizer que os indivíduos portadores dessas moléstias são o preço que a espécie humana paga pelo mecanismo gênico que permite a geração da sua inteligência sem igual, capaz de produzir computadores, teorias cosmológicas e… antipsicóticos.
Inteligência é capacidade de processar informações e, de acordo com a teoria da complexidade, tal capacidade é máxima na fronteira entre a ordem e o caos. Isso explica a frágil condição do Gênio, ilustrada pelas loucuras terminais de Gödel e Nietzsche. A propósito, o autor de Zaratustra intuiu bem esse “equilíbrio distante” ao escrever que “é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela bailarina.”
De resto, embora muito valorizada, a inteligência é subutilizada pela maioria das pessoas, por medo do caos ou devido ao custo energético. Aliás, segundo o antropólogo Leslie Aiello, o homem, para pensar, retira energia dos intestinos, que são pequenos em comparação aos dos outros primatas. Por isso que muita gente, obedecendo ao princípio do menor esforço, em vez de realizar escolhas com o cérebro, prefere tomar decisões diretamente com as tripas. Outros, pelas mesmas razões, entregam seu destino ao acaso das cartas, búzios e do I Ching – ou então mantêm a mente operando no modo religioso, que é de baixa energia.
Como diz mesmo a canção? “Si quieres ser feliz como me dices / No analices / Ah, no analices.”
*Manuel Soares Bulcão Neto nasceu em 1963 na cidade de Fortaleza. Em 1988, bacharelou-se em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Ensaísta e escritor, tem se dedicado a estudos críticos sobre questões filosóficas fundamentais do mundo contemporâneo, sobretudo no que tange às implicações sociopolíticas dos avanços atuais da ciência. É autor de As Esquisitices do Óbvio (2005), Sombras do Iluminismo (2006) e A Eloquência do Ódio (2009).
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O biólogo Ernst Mayr, valendo-se da própria história da vida na Terra, demonstrou, entretanto, que essa premissa setiana é falsa. Afirmou que, decerto, a seleção natural opera ao mesmo tempo em vários ramos taxonômicos – filos, classes, ordens… – favorecendo o surgimento e desenvolvimento de certos órgãos, como as estruturas fotorreceptoras (os olhos), “adquiridas de modo independente pelo menos 40 vezes no reino animal”. Não vislumbrava o Cientista, porém, nenhuma pressão seletiva conduzindo à alta inteligência, uma vez que, entre as milhões de linhagens existentes no Planeta, tal qualidade só surgiu em uma delas: a hominídea. Depois de apontar alguns acidentes sem os quais não teria vingado nossa estirpe, Mayr concluiu: “Como é extremamente improvável a aquisição da alta inteligência”, “como era infinitesimal a chance de isso ocorrer!”.
Agora, a pergunta: dado o seu suposto valor adaptativo, o que explica a raridade da alta inteligência? — Como uma das razões, alguns biólogos evolucionistas apontam o seu elevado custo em consumo energético (de fato, nosso cérebro demanda 20% de todas as calorias que o organismo consome). Aliás, em uma pesquisa realizada com moscas-das-frutas, Frederic Mery da Universidade de Friburgo descobriu que, em condições de grande escassez de víveres, as drosófilas com inteligência acima da média vão-se rareando até desaparecerem por completo. Infere-se desta experiência que, se os benefícios da inteligência a partir de certo nível não compensam o preço a ser pago, a seleção natural não irá favorecê-la, muito pelo contrário.
Outro custo da alta inteligência foi recentemente descoberto por James Sikela et al. da Universidade do Colorado. Segundo Sikela, a sequência de cópias do gene DUF1220 que determina o desenvolvimento do cérebro é a mesma que, com arranjo ligeiramente alterado, gera doenças mentais graves, como o autismo e a esquizofrenia. Significa dizer que os indivíduos portadores dessas moléstias são o preço que a espécie humana paga pelo mecanismo gênico que permite a geração da sua inteligência sem igual, capaz de produzir computadores, teorias cosmológicas e… antipsicóticos.
Inteligência é capacidade de processar informações e, de acordo com a teoria da complexidade, tal capacidade é máxima na fronteira entre a ordem e o caos. Isso explica a frágil condição do Gênio, ilustrada pelas loucuras terminais de Gödel e Nietzsche. A propósito, o autor de Zaratustra intuiu bem esse “equilíbrio distante” ao escrever que “é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela bailarina.”
De resto, embora muito valorizada, a inteligência é subutilizada pela maioria das pessoas, por medo do caos ou devido ao custo energético. Aliás, segundo o antropólogo Leslie Aiello, o homem, para pensar, retira energia dos intestinos, que são pequenos em comparação aos dos outros primatas. Por isso que muita gente, obedecendo ao princípio do menor esforço, em vez de realizar escolhas com o cérebro, prefere tomar decisões diretamente com as tripas. Outros, pelas mesmas razões, entregam seu destino ao acaso das cartas, búzios e do I Ching – ou então mantêm a mente operando no modo religioso, que é de baixa energia.
Como diz mesmo a canção? “Si quieres ser feliz como me dices / No analices / Ah, no analices.”
*Manuel Soares Bulcão Neto nasceu em 1963 na cidade de Fortaleza. Em 1988, bacharelou-se em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Ensaísta e escritor, tem se dedicado a estudos críticos sobre questões filosóficas fundamentais do mundo contemporâneo, sobretudo no que tange às implicações sociopolíticas dos avanços atuais da ciência. É autor de As Esquisitices do Óbvio (2005), Sombras do Iluminismo (2006) e A Eloquência do Ódio (2009).
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