Os jornais falavam das Torres Gêmeas, atentados terroristas, muçulmanos, vinganças cristãs. Joguei-os todos ao lixo, para me maravilhar com o maravilhoso da vida. Conversávamos em minha casa, ao som de Sibelius, bem baixinho, eu e a belíssima Violeta Feitosa, estudante de Letras, quando o carteiro me chamou da calçada. Todo dia ele grita meu nome, para espanto das vizinhas que olham a rua como espiãs, por trás das cortinas, das venezianas, das brechas das portas. Querem saber por que um velho escritor está sempre a receber visitas de mulheres vindas de muito longe, talvez das estrelas.
A moça se espantou ao som áspero da voz do entregador de cartas. Pedi-lhe licença e corri ao portão. Os cães dos vizinhos ladravam, raivosos. Pedi-lhes calma e voltei aos olhos de Violeta. Falávamos de Aarne Haapakoski, Veikko Huovinen e outros escritores da Finlândia. Falávamos, não, porque não os conheço, não os li. Ela falava, porque andou por aquelas bandas e se interessou pelas coisas de lá.
– Então o senhor não conhece Runeberg?
– Não, não conheço.
– Sabe que escreveu em língua sueca?
– Não, não sei.
Ela pareceu se entristecer com minha ingnorância e quis saber o conteúdo do pequeno envelope que me fizera correr à porta da rua. Rasguei o papel.
– Vem de onde?
– Minas Gerais. Joaquim Branco. Conhece?
– Não, nunca ouvi falar dele.
Mostrei-lhe a capa do livrinho. Li a dedicatória: “Ao Nilto Maciel, este Jogo de Palavras, com admiração pelo seu trabalho e o abraço. Joaquim. 8/2010”. Li parte das abas: (...) “este Jogo de palavras começa com alguns poemas de Caça-palavras, mesmo porque a edição deste último foi bastante restrita e chegou a poucas pessoas. Agora se optou por uma seleção em que os poemas de linha visual foram alternados com os demais, não importando temas ou datas. Portanto, eis aqui um livro de voos livres, escolhidos ao léu pelo autor” (...).
Conheço (de longe) Joaquim Branco, desde os tempos da revista O Saco (1976), eu em Fortaleza, depois em Brasília, ele em Cataguases. Mandou-me todos os livros que publicou. Quase tudo na chamada “linha visual”, impossível de transcrição literal. Nesta “antologia” vemos poemas de 1961 – eu ainda lia Bilac, se já lia –; 1968 – eu já lia Marx – ; 1984 – eu publicava livros, aparecia nos jornais e revistas, ganhava prêmios, e assim por diante.
Mando meu abraço para Joaquim Branco, assim mesmo pela Internet, e ao lado desta pequena jóia da natureza – Violeta Feitosa – que, quando fala, sorri, olha, se movimenta ou simplesmente para, me dá uma vontade danada de ir à Finlândia, ao fim do mundo, ao começo de tudo. Num jogo de palavras e sons que nem Sibelius entenderia.
Fortaleza, 11 de setembro de 2010
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